Correio Braziliense, n. 22576, 09/01/2025. Brasil, p. 6
Diretriz para aborto legal não altera a legislação
O governo federal publicou, ontem, a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) com diretrizes para o aborto legal em vítimas de violência sexual menores de 14 anos. O documento aborda os direitos das vítimas de violência e dá orientações sobre acolhimento e encaminhamento dos casos, com o objetivo de agilizar o acesso à interrupção da gestação nas situações permitidas por lei. A resolução não muda a legislação de aborto no Brasil.
O Conanda havia aprovado as normas em 23 de dezembro, em votação com diferença de dois votos — 15 favoráveis e 13 contrários. Mas a resolução foi suspensa no dia seguinte, após pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), de forma provisória.
O governo federal tinha votado contra a resolução, afirmando que as diretrizes deveriam ser definidas em lei pelo Congresso. Mas a proposta avançou com apoio de outros segmentos do colegiado.
Na segunda-feira, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), suspendeu a decisão que havia derrubado a resolução. E autorizou sua publicação no Diário Oficial da União (DOU).
A resolução do Conanda aponta diretrizes para os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) no atendimento a casos de gravidez de menores de 14 anos decorrentes de estupro, em situação de risco de vida ou com diagnóstico de anencefalia. Segundo o texto, deve se garantir o acesso à interrupção da gestação nos casos previstos em lei o mais rápido possível. “Sem a imposição de barreiras sem previsão legal”, frisa o documento.
Vontade da vítima
Entre as diretrizes, está definida que, em caso de divergência entre a vontade da criança/ adolescente e dos pais ou responsáveis, deve ser priorizada a vontade expressa da criança. Além disso, caso a vítima procure o serviço sem a presença dos responsáveis legais, os profissionais envolvidos devem consultá-la sobre a possibilidade de contatar o adulto de referência.
Se a presença dos pais puder causar danos físicos, mentais ou sociais à criança, o profissional deve assegurar que os tratamentos ocorram sem impedimentos — se a vítima for capaz de tomar decisões.
Ainda segundo o documento, a criança ou adolescente que sofre a violência sexual deve ser informada sobre o direito ao aborto legal de forma clara e adequada à sua idade, para tomar decisões. A resolução não amplia as hipóteses permitidas para o aborto legal e não propõe qualquer alteração na legislação brasileira sobre o tema.
No Brasil, de acordo com o Código Penal, a interrupção da gestação é permitida em casos de estupro, de risco à vida da grávida e em situações em que é constatada, por meio de parecer médico, a anencefalia do feto: ausência parcial do encéfalo e da calota craniana.
Quanto à idade gestacional, a resolução estabelece que “o limite de tempo gestacional para a realização do aborto não possui previsão legal, não devendo ser utilizado pelos serviços como instrumento de óbice (obstáculo) para realização do procedimento”.