Título: Imagem de Tupak ajuda Evo Morales
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 18/01/2006, Internacional, p. A8
Para Macario Tola, filho de mineiros e morador de El Alto, o novo presidente identifica os aymara mais do que um líder cocaleiro, como antes: ¿ Tupak é símbolo da luta indígena contra a ocupação colonial. Evo o substitui e se torna o novo ícone de uma população de fácil mobilização, sobretudo quando a conotação das manifestações é a da luta dos índios pelos recursos naturais e por seus direitos ¿ avalia Tola, na conversa em um posto telefônico, o único comércio aberto, antes das 8h, onde se podia conversar longe da gritaria das ruas.
A disposição, no entanto, pode virar ruptura diante da responsabilidade imposta ao governo do MAS de não frustrar a população:
¿ É preciso dar uma recompensa a quem deu a Evo uma votação histórica ¿ diz Tola, ressaltando que o prazo de 90 dias para o cumprimento de demandas sociais, como a nacionalização do gás e a Assembléia Constituinte não existe:
¿ Quem criou isso é louco. O processo é longo e será preciso continuação, se não com ele, com outro governo de esquerda ¿ completa.
Já o sociólogo Mamani crê em uma pausa nas mobilizações:
¿ Se depois de um ou dois anos, o governo não cumprir as promessas, teríamos dois cenários: a volta das oligarquias ou a radicalização da esquerda, lutando por um Estado essencialmente indígena, como sonham intelectuais aymaras e quechuas.
Mesmo saboreando a vitória, El Alto não pára a efervescência.
¿ Somos um misto do discurso dos sindicatos, de esquerda, com o aspecto étnico do povo andino e a memória coletiva de Tupak Katari ¿ observa Marco Quispe, no escritório que mantém, por conta própria. Um trabalho que lembra atividades nas favelas do Rio, com rádio comunitária, centro de documentação, biblioteca e cursos técnicos profissionalizantes como o de costura. Quispe apresenta um programa de rádio todos os sábados, cada dia de um bairro diferente da cidade. Para ele, o apoio a Evo será ¿incondicional¿, quando o governo do MAS mostre resultados práticos:
¿ Falamos de uma massa, que faz tudo em bloco. Se hoje elege Evo, amanhã pode romper. Há demandas antigas em El Alto, como Educação e Saúde, que terão de ser atendidas. É preciso emprego e saneamento. Há 200 mil pessoas aqui sem acesso à água potável.
À noite, a estréia do MAS no Congresso renovado durou 15 minutos, mas impressionou os recém-chegados. Era possível ver deputados de sandálias, com os pés sujos de terra à mostra, chapéus de operário, bonés de Che Guevara e as cores do arco-íris, a bandeira indígena. Muitos procuravam em vão, sua foto entre os rostos nas paredes do palácio. Era o caso de Venâncio Soto, para quem a arquitetura e a nova condição eram muito mais interessantes que a cerimônia. Saindo da sessão, César Navarro, deputado branco do MAS, celebrava:
¿ É um dia histórico ¿ disse ao JB . ¿ Quando vi minha mesa pensei nas 180 mil pessoas que represento de Potosí. É uma responsabilidade ¿ emendou, assustado e deslumbrado.