O Estado de S. Paulo, n. 47890, 29/11/2024. Política, p. A6
Pacheco tenta identificar ‘padrinhos’ de R$ 8 bilhões do orçamento secreto
André Shalders
Lavínia Kaucz
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), enviou ofícios a cada um dos 513 deputados e dos 80 senadores pedindo que prestem informações sobre as verbas do orçamento secreto apadrinhadas por eles no período de 2020 a 2022. O pedido de Pacheco diz respeito a emendas de relator, base do mecanismo revelado pelo Estadão. A solicitação foi feita na mesma semana em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou sem vetos uma lei complementar com novas regras para destinação de emendas parlamentares ao Orçamento da União, o que levou o Congresso a cobrar do Supremo Tribunal Federal (STF) a liberação do pagamento das transferências – suspensas desde o início de agosto.
A circular do presidente do Senado foi encaminhada aos congressistas na última segunda-feira. Ele pediu que as informações fossem prestadas em até cinco dias – prazo que termina amanhã. Entre técnicos do Orçamento do Congresso, há o temor de que as emendas cujos “padrinhos” não apareçam acabem canceladas. Procurado, Pacheco não havia se manifestado até a noite de ontem.
Na mensagem enviada aos parlamentares, o presidente do Senado menciona a necessidade de liberar a execução dos chamados “restos a pagar” das emendas bloqueadas desde o começo de agosto por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF). O “resto a pagar” é um gasto que foi empenhado, ou seja reservado para pagamento, mas não foi quitado no ano devido. No caso das emendas de relator, esse montante é hoje de R$ 8,2 bilhões, conforme levantamento feito pela reportagem.
Revelado pelo Estadão em 2021, o orçamento secreto consistia no uso das chamadas emendas de relator do Orçamento para criar novas despesas e enviar verbas para as cidades onde os políticos têm votos. Todas as emendas são assinadas pelo relator-geral do Orçamento daquele ano, escondendo os verdadeiros “padrinhos” das verbas.
Informação que Pacheco agora quer levantar, pedindo aos congressistas que assumam a autoria das suas indicações.
“Considerando que ainda remanesce a ordem judicial de bloqueio da execução orçamentária dos recursos oriundos das referidas emendas, conforme registrado acima, e diante da necessidade de seu restabelecimento para bem do interesse público, solicita-se a Vossa Excelência que indique, no prazo de CINCO DIAS, quais emendas de Relator-Geral (RP9) dos Orçamentos de 2020 a 2022 contam com seus respectivos apoiamentos para continuidade da execução”, diz um trecho do ofício.
O texto inclui o link para um website onde o congressista pode se identificar e marcar as emendas que teria apadrinhado nos anos de 2020, 2021 e 2022. Em seguida, o site produz uma minuta do ofício, em PDF.
Não está claro se os documentos produzidos desta forma trarão a data da época, ou a data atual. A comunicação do presidente do Senado foi dirigida só aos congressistas atuais, deixando de fora aqueles que não se reelegeram, e que possivelmente também apadrinharam recursos do orçamento secreto.
QUASE R$ 50 BI. Este ano, os congressistas apresentaram R$ 49,1 bilhões em emendas de todos os tipos (individuais, de bancada e de comissão), sendo que R$ 37,5 bilhões já foram empenhados, ou seja, reservados para pagamento. Mas outros R$ 11,5 bilhões permanecem sem empenho, e com a execução bloqueada pela decisão do STF. Se não forem empenhadas antes do fim do ano, poderão ser perdidas.
“O projeto (de lei sobre emendas parlamentares, aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula) não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas (pelas decisões do STF): de 14 critérios e parâmetros identificados, apenas 3 deles são atendidos substancialmente pelos dispositivos do projeto”
Nota técnica Senado
Na circular, Pacheco diz ainda que parte significativa dos congressistas já encaminhou ao STF informações sobre suas emendas de relator nos anos de 2020 e 2021.
Na terça-feira, Lula sancionou sem vetos um projeto de lei aprovado no Congresso para tentar atender às determinações do STF e dar transparência às emendas parlamentares. Para entidades que trabalham pela transparência das contas públicas, o projeto deixa a desejar e não resolve alguns dos principais problemas atuais.
‘REQUISITOS’. O Congresso, porém, pediu ao Supremo a liberação das emendas parlamentares após a sanção do projeto que cria novos critérios para os repasses. Na manifestação anexada na noite de anteontem, a Advocacia do Senado diz que “foram atendidos os requisitos formais e materiais das decisões” da Corte que suspenderam as emendas até o Parlamento editar regras de transparência e rastreabilidade.
O Congresso também argumentou que há “perigo de demora” diante da proximidade do encerramento do exercício financeiro. “Há obras e serviços já realizados, mas cujo pagamento encontra-se suspenso, gerando graves prejuízos a terceiros de boa-fé. Há também obras e serviços paralisados por suspensão de pagamentos, a ensejar prejuízo a particulares e ao interesse público”, diz a manifestação.
Caberá a Flávio Dino, relator das ações sobre emendas, avaliar o pedido. Depois, a decisão de liberar ou não os repasses será analisada pelo plenário do Supremo. Nesta semana Dino está em São Luís (MA), onde vai se casar no sábado.
Em agosto, após o Supremo suspender a execução de todas as emendas impositivas, os três Poderes firmaram um consenso com condições para a liberação. Entre os pontos acordados, está a identificação do destino das “Emendas Pix”, a destinação de emendas de bancada a projetos estruturantes e o envio de emendas de comissão a projetos de interesse nacional ou regional, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo.
ESTUDO. Um estudo feito por técnicos do próprio Senado diz que o projeto não atende a todos os critérios de transparência. Uma das críticas apontadas é sobre as emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto. Pelo texto, ainda não há obrigação de mostrar o nome dos verdadeiros padrinhos das verbas, que são apresentadas como de responsabilidade do colegiado.
“O projeto não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas (pelas decisões do STF): de 14 critérios e parâmetros identificados, apenas 3 deles são atendidos substancialmente pelos dispositivos do projeto, e, ainda assim, esses dois quesitos já constam dos normativos vigentes”, diz a nota técnica solicitada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE).
A possibilidade de o governo bloquear emendas parlamentares também ficou fora do projeto. No acordo entre STF, Legislativo e Executivo, ficou acertado que as emendas serão vinculadas à receita corrente líquida, com o objetivo de impedir que elas cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o Planalto irá enviar um novo projeto que propõe estabelecer um bloqueio de emendas de 15% proporcional ao bloqueio das despesas discricionárias do Executivo.