Título: Diretrizes da Igreja
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 21/01/2006, Opinião, p. A11

Na Semana passada tratei aqui de um tema de grande importância para a vida eclesial: a Doutrina Social da Igreja. Aproveito da oportunidade para difundir outros aspectos do ensinamento sobre o mesmo assunto. Refiro-me à obra da Congregação para a Educação Católica, intitulada Orientação para o estudo e o ensino da Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal. A imprensa internacional divulgou esse documento, em 27 de junho de 1989. Embora seja datado de 30 de dezembro de 1988, sua elaboração teve início em 1982. Foram, assim, passados alguns anos com repetidas consultas aos membros da Congregação e a peritos, aperfeiçoando vários textos até a redação final. Certas divergências que preocupam e escandalizam os fiéis, têm sua raiz na posição de alguns diante das dificuldades sócio-econômicas e políticas que nos angustiam. A Doutrina ou Ensino Social da Igreja proporciona valiosa contribuição ''para iluminar com sãos princípios as várias iniciativas do plano temporal'' (''Orientações'', nº 2).

O citado documento consta de seis capítulos sobre a natureza, dimensão histórica, princípios e valores permanentes, critério de julgamento, diretrizes para ação e ensino dessa Doutrina nas casas de formação eclesiástica.

O conhecimento da Moral Cristã, diante da questão social que tanto nos aflige, é de transcendental importância. Sem isso, muitos são facilmente vítimas de ensinamentos estranhos ou contrários à Fé cristã. Daí a necessidade de leigos competentes no assunto e de sacerdotes devidamente preparados. Assim, caminha-se com segurança e é afastado o perigo da manipulação, aproveitamento, para outros fins, da instituição fundada por Cristo.

Essa situação, em suas várias dimensões, tem despertado controvérsias, tentando reduzir a Instituição sagrada a simples instrumento para a correção das injustiças no tempo, deixando à margem o âmago de sua missão: a eternidade, que começa a ser implantada aqui.

O estudo dessa matéria vem mostrar o extraordinário papel que a Igreja tem exercido através dos séculos, sempre no aperfeiçoamento de sua atuação, notadamente a partir de Leão XIII. O Magistério acompanha, com suas diretrizes as necessidades de orientação requeridas em cada período da História e, particularmente a partir da Revolução Industrial com suas implicações. A Doutrina Social, ''embora sendo um 'corpus' doutrinal de grande coerência, não se reduziu a um sistema fechado, mas mostrou-se atenta ao evoluir das situações e capaz de responder adequadamente aos novos problemas'' (nº 11).

Toda essa ótica é encarada ''sob o aspecto moral e pastoral'' (nº 13). Aí está o divisor de águas. Uns abordam a questão sob prisma político-econômico-ideológico, mas o cristão trata do mesmo problema à luz da Fé. E isso tem ocorrido desde os primórdios. A Graça redentora de Cristo veio redimir a humanidade. Cada vez que é ferida a dignidade do homem, a Igreja eleva a sua voz em defesa dos direitos e da dignidade, sempre em proteção ''dos mais fracos, dos mais necessitados e das vítimas da injustiça'' (nº 16). Através dos séculos, os ''Padres da Igreja são conhecidos não só como intrépidos defensores dos pobres e dos oprimidos, mas também como promotores de instituições assistenciais (hospitais, orfanatos, hospícios para peregrinos e estrangeiros) e de concepções sócio-culturais que inauguram a era de um novo humanismo, radicado em Cristo'' (nº 17).

Vê-se a perene dimensão social do Cristianismo e sua adaptação às situações que caracterizam, em cada época, o respeito à dignidade humana. Teólogos da Idade Média e, em particular, Santo Tomás de Aquino, despertaram para a ''consciência cristã perante as graves injustiças surgidas naquela época'' (nº 19).

A atualização desse ensinamento cresceu naturalmente a partir de Leão XIII com a encíclica ''Rerum Novarum'' (1891), passando por Pio XI, Pio XII, João XXIII, Concílio Vaticano II, Paulo VI e João Paulo II. Cada um trouxe um enriquecimento específico ao corpo doutrinário.

Trata-se de ''serviço desinteressado que a Igreja oferece segundo as necessidades dos lugares e dos tempos'' (nº 27). E não uma terceira via entre o capitalismo liberal e o coletivismo marxista, conforme explica a Encíclica ''Sollicitudo Rei Socialis'', de 30 de dezembro de 1987.

Nesse longo caminho, observa-se haver ''elementos permanentes e elementos contingentes'' (nº 28). A Doutrina Social da Igreja possui sua identidade própria. Constitui-se como uma ''disciplina particular e autônoma, ao mesmo tempo teórica e prática, no amplo e complexo campo da ciência, da teologia moral, em estreita relação com a Moral cristã'' (nº 4). Seus fundamentos estão nos princípios da dignidade da pessoa que geram os direitos humanos, no relacionamento pessoa-sociedade, no bem comum, na solidariedade, na concepção orgânica da vida social, na aspiração profunda do homem à participação e no destino universal dos bens. Igualmente, o ''direito à propriedade privada, em si válido e necessário, deve ser circunscrito dentro dos limites de sua função social'' (nº 42).

A distinção entre o papel do religioso e do simples leigo se torna claro no seguinte exemplo. A Fé cristã ''valoriza e estima grandemente a dimensão política da existência humana'' (nº 63). Urge distinguir dois aspectos. O primeiro se refere aos ''comportamentos políticos não só enquanto tocam a esfera religiosa, mas também em tudo que diz respeito à dignidade e aos direitos fundamentais do homem, o bem comum, a justiça social: problemas que têm todos uma dimensão ética, considerada à luz do Evangelho'' (nº 63).

O outro papel, privativo do laicato, é o ''empenhamento político no sentido de tomar decisões concretas, de formular programas, (...) de exercer o poder, isto tudo é uma tarefa que compete aos leigos'' (idem).

Valorizar seus ensinamentos é iluminar as inteligências, é esclarecer as vias que conduzem à justiça social, ao respeito aos direitos da pessoa humana. Em vez de percorrer vias suspeitas, caminhemos segundo as diretrizes que a Igreja propõe a seus filhos.