Título: Quatro anos de mistério
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/01/2006, Opinião, p. A10
O assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, completou ontem quatro anos, ainda imerso numa vasta e tenebrosa zona cinzenta. Desse terreno devastado só se extraiu até agora uma certeza: há uma trama inverossímil a ser explicada, e sua elucidação parece cada vez mais distante, sobretudo quando constatados sucessivos e sombrios ingredientes acrescidos à ruidosa e mal contada história sobre a morte de Daniel. Depois do assassinato, as investigações, conduzidas por policiais do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa de São Paulo e com o aval do deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (designado pelo PT para acompanhar os trabalhos), concluíram que o assassinato não passara de um crime banal. Cerca de dois meses depois, o caso se encerrara com a prisão de uma quadrilha de assaltantes e seqüestradores. O desfecho prematuro balizara-se, em grande parte, pela confissão de um adolescente - que, com 16 anos à época, afirmou para os delegados ter sido o autor dos disparos que mataram o então prefeito.
Há poucos dias descobriu-se que tudo não passa de mentira. E das grandes. Um documento produzido por funcionários da Febem do Tatuapé, em São Paulo, onde o adolescente estava em regime de internação, informa que ele foi obrigado pelos comparsas a assumir a autoria do crime. Se não seguisse as exigências, diz o documento, o adolescente e sua família seriam mortos. Tão grave quanto a descoberta foi a constatação de que ele fugira da Febem seis meses atrás, depois de cumprir três anos de internação. Em se tratando de um ''réu confesso'', um espanto.
As descobertas e reviravoltas têm sido incapazes até aqui de emudecer as suspeitas sublinhadas por muitas mentes sensatas. Os desencontros de informação somam-se a perturbadoras ''coincidências'' - como a inacreditável inclusão, na trama, de oito cadáveres envoltos no caso (incluindo o prefeito), todos com morte estranha e mal explicada. Mesmo os mais modestos autores de romances policiais evitariam a previsibilidade de tal enredo.
Novo ingrediente, também acrescido nos últimos dias, já ampliara o mistério. A CPI dos Bingos, a Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo ouviram uma testemunha segundo a qual o ex-segurança do prefeito e empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, mandou seqüestrar o prefeito para levantar R$ 3 milhões. Metade do dinheiro pagaria um traficante que teria ajudado a financiar a campanha eleitoral de 2000. Em troca, segundo o depoimento, o prefeito liberaria as lotações com vans. Ainda de acordo com a testemunha, o traficante teria investido R$ 1,5 milhão na campanha de Daniel. Mas o prefeito não sabia da promessa. O traficante pediu o dinheiro de volta, e o Sombra teria planejado o seqüestro para saldar a dívida.
Em novembro passado, outra testemunha, Rosângela Gabrilli, integrante da família que administra uma frota de ônibus em Santo André, detalhou o funcionamento da máquina de arrancar propinas montada no fim dos anos 90, durante a gestão de Daniel. Todos os proprietários de ônibus foram transformados em contribuintes compulsórios do PT. Pagavam R$ 550 por veículo. A Guará, empresa dos Gabrilli, era sangrada em R$ 40 mil por mês pela quadrilha de extorsionários - que incluía o Sombra. Confiante na impunidade, ele teria autorizado alguns extorquidos a pagarem a mesada com depósitos em sua conta bancária.
O assassinato de Celso Daniel, com a morte sucessiva de testemunhas e com os indícios sugeridos por incontáveis depoimentos, não foi resultado de assalto fortuito. Mas petistas insistem na tese. Instalados no poder, os comandantes do partido costumam oferecer bruma onde se pede transparência. Conforme o JB tem sublinhado em editoriais sobre o tema, os insistentes argumentos, segundo os quais Celso Daniel foi vítima de um crime comum, são tão inverossímeis quanto as desculpas da turma das malas e dos mensalões. Petistas não parecem interessados em enxergar contradições na trama. Há interrogações incômodas lançadas aos investigadores e à Justiça. Quatro anos depois, convém começar a dissipar as sombras que as encobrem.