Título: Clima da posse toma La Paz
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 21/01/2006, Internacional, p. A8

Cidade se prepara para receber milhares de visitantes. Jornalistas são 1.500

LA PAZ - A cobertura da mídia mundial é um espetáculo à parte em La Paz. Pontos estratégicos como a Praça Murillo, onde ficam os prédios oficiais, estão cercados por jornalistas, fotógrafos, câmeras e produtores de todo o mundo que vieram à Bolívia registrar a chegada de um índio ao poder. Os números impressionam: estão na cidade, hoje, cerca de 1.500 profissionais de imprensa.

A cobertura é sem precedentes na história da Bolívia e o governo, alertam os jornais, passará por uma prova de fogo. A diretora de comunicação do Ministerio de Relações Exteriores, Ximena Guzmán, garantiu, no entanto, que o país está pronto. As ruas que dão acesso à Praça Murillo já estão bloqueadas e o tráfego, interrompido. O comércio também teve de deixar a área, o que enfureceu os camelôs:

- Estão nos mandando embora - reclamou Giovanna Calli, 30 anos, vendedora de guarda-chuvas, vigiada por uma funcionária do governo.

O vendedor de amendoins doces, tradicionais na capital, aumentou o estoque:

- Ainda não sei onde vou vender - queixa-se, exigindo a compra de seu produto em troca da identificação.

Os jornalistas são bem-vindos. A todo o momento se escuta nas rádios agradecimentos à imprensa mundial pela divulgação do momento histórico. Para a radialista boliviana Danna Romero, 35 anos, da Rádio Encuentro, o fator mais importante da cobertura é a forma como a mídia está tendo que lidar com o novo governo:

- A posse de Evo Morales traz à tona elementos místicos aos quais não estamos acostumados. Temos de nos desapegar do discurso oficial, mais ocidentalizado, dos governos anteriores. É um desafio. As fontes mudaram, a forma de olhar os líderes no poder é outra - observa ao JB, na sala de imprensa montada na prefeitura, recém-inaugurada.

Repórter da agência Reuters, o argentino César Illiano, 30 anos, conta que não estava incluído na cobertura. Mas pediu para vir a La Paz:

- Quando soube que Evo ia fazer uma posse mística, um ritual em Tiwanaku, me incluí. Este é o primeiro passo para que situações parecidas venham a emergir em outros países da América Latina.

A cerimônia indígena teria início no amanhecer. O local é um sítio arqueológico pré-inca a 1h30 da capital. O objetivo é purificar o presidente, que no dia 1º de dezembro visitou Tiwanaku para pedir a vitória. Agora, volta para agradecer à deusa-mãe Pachamama e se preparar para o desafio.

Para a posse oficial, 14 chefes de Estado e 44 delegações - que estão trazendo desde diplomatas e membros do governo a líderes de grupos sociais - já confirmaram presença, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Ricardo Lagos, o primeiro mandatário chileno a participar de uma cerimônia oficial na Bolívia em 51 anos. A última vez foi na posse de Víctor Paz Estenssoro.

O venezuelano Hugo Chávez vem com três aviões, um deles só da imprensa. Alejandro Toledo, do Peru, traz profissionais de 14 veículos. Até o presidente da Eslovênia, Janez Drnovüek, vem. Outro convidado inesperado é o mandatário da República Árabe de Saharaui, Mohamed Abdelaziz.

- Esse país, do Norte da África, luta por sua independência total da Espanha e a Bolívia reconhece esse pedido - afirmou Loaiza.

Dos 270 convidados do Movimento ao Socialismo (MAS), o único a recusar a oportunidade foi o Exército Zapatista de Libertação Nacional, do México. Segundo o líder, subcomandante Marcos, a organização se relaciona apenas com os povos e não com governos. A tevê boliviana terá privilégio na transmissão a partir do Palácio Quemado, onde acontecerá o juramento do presidente.