O Estado de S. Paulo, n. 47893, 02/12/2024. Política, p. A8

A
ssessores do STJ são acusados de vazar informações a lobistas
Fausto Macedo
Pepita Ortega

 

 

Uma sindicância instaurada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) revelou que o servidor Márcio José Toledo Pinto, que foi assessor nos gabinetes das ministras Maria Isabel Gallotti e Fátima Nancy Andrighi, “no mínimo” antecipou informação privilegiada sobre dois processos judiciais aos lobistas Andreson Gonçalves (preso pela Polícia Federal) e Roberto Zampieri (assassinado a tiros em dezembro de 2023).

A reportagem procurou a defesa de Márcio Pinto, mas não obteve resposta. A ministra Nancy Andrighi disse acompanhar com “perplexidade” as denúncias e informou ter colocado o gabinete à disposição para contribuir na apuração. “Assim que os fatos foram noticiados, o servidor investigado foi imediatamente dispensado do Gabinete e a apuração dos fatos está sendo realizada pelo STJ e pelas demais autoridades, a fim de que o assunto seja esclarecido e os envolvidos punidos de forma exemplar.”

O STJ afirmou que seus ministros não têm envolvimento em venda de sentenças. O Supremo Tribunal Federal (STF) também informou que, até o momento, não há “elementos sobre o envolvimento de magistrados de tribunais superiores no caso”.

OUSADO. Márcio é um dos alvos da Operação Sisamnes, investigação sobre um “ousado e verdadeiro comércio de sentenças” no STJ, segundo avaliação do ministro Cristiano Zanin, do STF. Zanin autorizou a

“O servidor investigado foi imediatamente dispensado do gabinete, e a apuração dos fatos está sendo realizada (...) pelas autoridades” Nancy Andrighi ministra do STJ

PF a fazer buscas em endereços de investigados e também mandou prender Andreson, suposto chefe do esquema.

Por determinação do ministro do STF, Márcio José Toledo Pinto teve a casa vasculhada pela PF, no dia 26, foi obrigado a entregar seu passaporte e afastado de suas funções no STJ. O ministro ainda ordenou o bloqueio de bens do servidor em até R$ 500 mil.

Além de Márcio, outros dois servidores foram alvo de diligências – Daimler Alberto de Campos, chefe de gabinete da ministra Maria Isabel Gallotti; e Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade, chefe de gabinete do ministro Og Fernandes. Zanin indicou que a participação de Márcio no suposto esquema de venda de sentenças veio à tona a partir de diálogos entre Andreson e Zampieri em 10 de agosto de 2023 – Zampieri foi morto a tiros menos de quatro meses depois, em dezembro.

‘RAPAZ DE BRASÍLIA’. Na ocasião, o advogado pediu a Andreson, a quem chamava de “o rapaz de Brasília”, que enviasse “o documento do Haroldo”. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a mensagem era referência a dois processos, ambos sob relatoria de Nancy Andrighi.

Ao consultar o sistema do STJ, a Polícia Federal identificou que a decisão em um dos processos foi dada em 4 de setembro. O despacho da outra ação foi assinado digitalmente em 25 de agosto. Ambos os documentos só foram assinados e publicados dias depois de Andreson e Zampieri terem acesso a eles.

Segundo Zanin, houve “ampla participação” de Márcio nas movimentações dos dois processos, “com alteração e exclusão de minutas internas em poucos minutos, inviabilizando a visualização por outras pessoas além do servidor que efetuou as mudanças”.

O relatório da Comissão Permanente de Sindicância aberta pelo STJ “concluiu ter ocorrido, no mínimo, antecipação de informação privilegiada” nos casos. Zanin entendeu que o caso exigia maiores averiguações e por isso deu aval para as diligências em endereços de Márcio, visando o “aprofundamento das investigações quanto a seu envolvimento na empreitada criminosa”.

PROCESSOS. Um processo em que Márcio supostamente teria atuado para atender os interesses de Andreson e de Zampieri envolve reparação por danos morais ajuizada por uma empresa contra a Bom Jesus Agropecuária – companhia que está em recuperação judicial e foi citada na Operação Faroeste, investigação sobre venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia. A empresa não se manifestou.

A Operação Sisamnes mira um ex-diretor financeiro da Bom Jesus Agropecuária. A empresa havia conseguido uma vitória parcial no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, para que houvesse a perícia técnica de uma área rural no centro da ação de reparação. A Bom Jesus tentou recorrer ao STJ, mas o recurso não foi admitido.