O Estado de S. Paulo, n. 47892, 01/12/2024. Política, p. A6
Conflito de terra, ações e dívidas: os processos que a PF investiga no STJ
Pepita Ortega
Fausto Macedo
Contratos bancários, disputas por grandes extensões de terras em Mato Grosso, questões societárias e dívidas são alguns dos temas que perpassam os processos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos quais a Polícia Federal investiga a tentativa de interferência nas decisões por parte do lobista Andreson Gonçalves, preso na última terça-feira. De um total de 12 processos analisados pela PF, sete contaram com a atuação direta de um antigo aliado de Andreson, o advogado Roberto Zampieri.
Apontado como o “lobista dos tribunais”, Zampieri foi assassinado a tiros em frente a seu escritório em Cuiabá em dezembro do ano passado.
A lista dos processos foi citada em hipóteses criminais pelos investigadores da Operação Sisamnes e consta da decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que deu aval para as diligências cumpridas na semana passada. O suposto envolvimento e interesse de Andreson nesses 12 casos levou não só à sua prisão, mas também ao bloqueio de R$ 6 milhões de seus bens. O ministro o classifica como chefe de um “ousado e verdadeiro comércio” de sentenças do STJ.
O Estadão levantou os dados dos processos listados por Zanin no despacho da Operação Sisamnes. Os autos sob análise dos investigadores estão sob relatoria das ministras Maria Isabel Gallotti e Nancy Andrighi e do ministro Og Fernandes, todos do STJ.
Segundo o STF, não foram encontrados indícios de envolvimento de ministros do STJ com o esquema capitaneado por Andreson e Zampieri. O STJ, por seu lado, apura ao menos quatro assessores de gabinetes de ministros por suposta ligação com venda de sentenças. A Corte nega, veementemente, o envolvimento de seus ministros.
A reportagem buscou contato com Andreson desde o dia em que foi aberta a Sisamnes, por meio do escritório de sua mulher, Mirian Gonçalves.
Também pediu o posicionamento de servidores via STJ. Até a noite de ontem os citados não haviam se manifestado.
Em outubro, Nancy Andrighi anunciou a abertura de uma apuração sobre a conduta de servidores supostamente “cooptados” por Andreson e Zampieri. “Não posso dizer o que sente um juiz com 48 anos de magistratura quando se vê numa situação tão estranha como essa”, observou a ministra, na ocasião.
ASSUNTOS EM COMUM. Os processos no radar da PF apresentam assuntos em comum: “posse”, “propriedade” e “contratos”. Alguns se destacam pela
curiosidade, como a ação de um produtor rural que pediu indenização em razão de o agrotóxico não ter surtido efeito em sua lavoura. Há também o caso de um homem que teve que devolver grande quantia de dinheiro ao banco por ter sacado uma multa judicial que posteriormente foi reduzida.
Outras demandas chamam atenção pela complexidade. É o caso de um processo ligado à participação societária da J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e da empresa mato-grossense MCL na Eldorado Celulose. A decisão de Zanin sobre a Operação Sisamnes não faz qualquer ponderação sobre as empresas, tampouco
lança suspeitas sobre elas. A reportagem entrou em contato com as companhias, mas não havia recebido resposta até a noite de ontem.
Defesa A reportagem procurou os defensores dos lobistas e dos servidores do STJ, mas eles não se manifestaram
A maioria dos casos chegou ao STJ por meio de recursos apresentados por advogados. São pedidos de natureza diversa, tanto para serem analisados diretamente na Corte como para que os processos subissem ao STJ. O caso da Eldorado, por exemplo, chegou à Corte superior em forma de “conflito de competência”, quando o STJ tem que decidir qual juízo detém atribuição para julgar determinado processo.
‘FAROESTE’. Também consta da lista uma medida cautelar que resultou na abertura de uma das fases da Operação Faroeste – investigação sobre esquema de venda de sentenças que teria se instalado no Tribunal de Justiça da Bahia. Como mostrou o Estadão, a PF suspeita que o chefe de gabinete do ministro Og Fernandes teria vazado a decisão para Andreson no dia em que foi instaurada a quinta etapa da Faroeste.
A ação levou à prisão da desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, que se tornou a primeira magistrada delatora do País – ela apontou 12 desembargadores, 11 juízes e 11 advogados, além de lobistas e servidores do Tribunal de Justiça baiano.
A maioria dos sete processos de interesse de Zampieri já está encerrada. Apenas dois, um no qual ele saiu vencedor e outro sobre honorários, ainda estão em curso, respectivamente, no Supremo Tribunal Federal e no próprio STJ.
Um episódio cujo desfecho desagradou Zampieri envolve a falência de um frigorífico e a venda de um imóvel da empresa. Foi esse caso que Zampieri pediu a Andreson para “ver junto a sua amiga, pelo amor de deus” se seria possível interferência. Diálogos identificados pela PF mostram que, no dia em que a ministra Nancy Andrighi despachou no caso, o advogado escreveu uma mensagem transcrita aqui: “Agora eu tô morto meu amigo. Por favor, veja com sua amiga o que tem que ser feito p ELA CORRIGIR ESSA DECISÃO, se não eu to morto meu amigo”.
O despacho do qual Zampieri reclamou considerava que o conflito de competência no STJ estava “esvaziado” vez que um dos juízos envolvidos no questionamento abriu mão do caso – o juízo de Mato Grosso. Zampieri e outras partes do processo chegaram a recorrer da decisão que considerou o processo, no STJ, inócuo, mas não obtiveram sucesso.