O Globo, n. 32.300, 12/01/2022. Economia, p. 10

''INFLAÇÃO TEM UM IMPACTO ACIMA DO NÚMERO”
Luiz Roberto Cunha / ECONOMISTA



Apesar da expectativa de desaceleração este ano, a inflação no patamar de dois dígitos deixa o consumidor em situação de desconforto com relação à economia. Para o professor do departamento de Economia da PUCRio, Luiz Roberto Cunha, o brasileiro deve continuar sentindo o peso da economia estagnada, com desemprego ainda elevado, e continuar pagando caro pelos alimentos ao longo deste ano.

Se deve haver algum alívio no preço da energia elétrica por causa das chuvas recompondo reservatórios de hidrelétricas, o câmbio pressionado durante o ano eleitoral e o preço do petróleo no mercado internacional podem impactar a inflação.

O ano passado encerrou com a maior inflação desde 2015. O que isso significa em termos de bem-estar da população, no momento em que o desemprego continua elevado?

A alimentação no domicílio subiu quase igual à inflação. Outra coisa que pesou muito foi gasolina, combustíveis e energia elétrica. Talvez o que mais bateu, embora tenha sido dado um desconto para a população de renda mais baixa, foi a energia elétrica. Subiu mais que 20%. Você teve uma inflação que bateu muito no bolso do consumidor exatamente quando a renda está caindo e o desemprego está alto. É uma inflação muito ruim. Tem um impacto sobre o consumidor e a sociedade acima do número, que já é alto, de 10%. Além disso, em alguns itens como alimentação repetiu-se o número alto da inflação de 2020 (que ficou acima da média), e há outros itens, como energia elétrica e gasolina, que impactaram bastante o bolso.

A perspectiva é que a inflação de 2022 seja menor que a de 2021. Ainda assim, cruzar o patamar de dois dígitos gera uma sensação de desconforto para este ano?

O Focus fala em 5%, mas eu diria que 6% é um número mais possível. O consumidor vai continuar sentindo o peso (da inflação) em uma economia que vai seguir fraca, com desemprego alto, e vai continuar pagando caro pelos alimentos de uma forma geral. Os preços dos alimentos podem não ter uma alta muito forte este ano, mais próximos de 6%, mas não vão cair. Vai ser o terceiro seguido com alimentos pesando no bolso. Onde haverá uma redução é na parte de energia elétrica. Com as chuvas fortes, essa tarifa extra (escassez hídrica) pode ser eliminada em fevereiro, segundo especialistas no tema, e não em abril, como previsto. E isso tem um impacto grande no IPCA, de quase 1 ponto percentual. Se for em fevereiro, ela inclusive ajuda o Banco Central a não subir tanto a taxa de juros. Mas estou preocupado com o preço do petróleo e câmbio.

O Banco Central vai conseguir controlar a inflação só com juros?

O Banco Central nunca conseguiu controlar a inflação só com juros. É um dos grandes problemas do Brasil. Historicamente, no país, a política monetária e a fiscal não operaram do mesmo lado. Quando ambas são restritivas, a restrição dos juros pode ser muito menor. A política monetária e fiscal tem uma interdependência. Mas quando você tem no Brasil, desde o Plano Real, a política monetária quase sozinha fazendo esforço, ela tem que ser muito mais forte. E ela é muito mais má do ponto de vista da sociedade do que a política fiscal. E tem um impacto mais forte sobre o que importa: emprego e atividade econômica.

Agora temos a independência formal do Banco Central e, com a possibilidade de mandatos mais longos, é possível trabalhar suavizando um pouco mais a volta para o teto da meta. Acho que o Banco Central pode trabalhar de forma mais suave ao longo de 2022 mirando chegar mais próximo do centro (da meta de inflação) em 2023. Mas isso se a política fiscal ajudar.

Se você tiver descontrole fiscal, o Banco Central vai sofrer. O que ajuda o BC a não subir juros é a política fiscal restritiva. Claro que, por causa da pandemia, tiveram que fazer uma série de coisas necessárias. Só que a política monetária sozinha afeta a atividade (econômica) ainda mais. Não sou monetarista, mas não existe almoço grátis na economia.