O Globo, n. 32.300, 12/01/2022. Economia, p. 9

MAIOR IPCA EM SEIS ANOS
Carolina Nalin



A inflação fechou o ano de 2021 em 10,06%, o maior patamar desde 2015, quando chegou a 10,67%, no governo Dilma Rousseff. No primeiro ano de vigência do Banco Central independente, o seu presidente, Roberto Campos Neto, teve de divulgar carta pública, explicando os motivos de a inflação ter ficado quase o dobro do teto da meta fixada para 2021, de 5,25%.

E não deve ser em 2022 que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE e que é referência para a meta de inflação, ficará dentro dos parâmetros fixados pelo governo. Analistas avaliam que a inflação deverá arrefecer ao longo de 2022, mas o IPCA permanecerá alto, fechando acima do teto da meta, de 5% este ano. Mesmo com juros altos (de 9,25%), que esfriam a economia e limitam o repasse da alta de custos para os preços, e a gradual normalização das cadeias globais de produção, o repasse da inflação de 2021 para este ano deve ser significativo. Há contratos de serviços atrelados aos índices de preços. Além dos riscos fiscais que mantêm o dólar pressionado, elevando preços internamente.

‘AGORA TEMOS PROBLEMAS’

Por esses motivos, o Credit Suisse espera que o IPCA atinja 6% este ano e vê espaço para a Taxa Selic chegar a 12,25%. Segundo economistas do banco, em relatório, o resultado confirma o cenário difícil para a inflação, dado que a alta de preços é generalizada entre itens industriais e de serviços.

O Boletim Focus, pesquisa do BC sobre previsões do mercado, projeta IPCA para este ano de 5,03%, acima do teto.

O presidente Jair Bolsonaro buscou eximir o governo quanto à alta do IPCA e culpou medidas adotadas por governos locais durante a fase mais grave da pandemia para evitar a disseminação do vírus:

— Agora temos problemas. Inflação. Está o mundo todo com esse problema. Lembra do fique em casa, a economia a gente vê depois? Estamos vendo a economia. O cara ficou em casa, apoiou e agora quer me culpar da inflação.

Medidas de isolamento contra a Covid foram adotadas no mundo inteiro, mas o Brasil encerrou o ano coma terceira maior taxa de inflação do G20.

Em dezembro, houve desaceleração na inflação, sobretudo de combustíveis, uma das pressões de 2021. O IPCA foi de 0,73% em dezembro, contra 0,95% em novembro.

Os principais vilões da inflação em 2021 foram energia, combustíveis e alimentos.

Os combustíveis dispararam em meio à alta do dólar e à demanda global por petróleo. O preço da energia subiu em razão da maior crise hídrica em 91 anos, o que levou o governo a acionar termelétricas.

— Com os sucessivos reajustes nas bombas, a gasolina acumulou alta de 47,49% em 2021. Já o etanol subiu 62,23% e foi influenciado pela produção de açúcar — diz o gerente da pesquisa, Pedro Kislanov.

PETROBRAS SOBE GASOLINA

E a pressão contínua neste início de ano. A Petrobras anunciou ontem o primeiro aumento de 2022 de gasolina e diesel. É a primeira alta em 77 dias. A partir de hoje, o litro de gasolina vendido pela Petrobras para as distribuidoras passará de R$ 3,09 para R$ 3,24, alta de 4,85%. Desde janeiro de 2021, o preço da gasolina acumula alta de 77,04%.

O diesel subirá de R$ 3,34 para R$ 3,61 por litro. É um avanço de 8,08%. Desde janeiro do ano passado, o diesel já subiu 78,71% nas refinarias.

Os alimentos continuaram pesando no orçamento das famílias. Subiram menos no ano passado, mas, mesmo assim, a inflação do principal grupo de despesa das famílias avançou 7,94%, depois de ter ficado 14% mais caro em 2020. Café e açúcar foram destaque.

— A alta do café ocorreu principalmente no segundo semestre, pois a produção foi prejudicada pelas geadas no inverno. Já o preço do açúcar foi influenciado por oferta menor e pela competição pela matéria-prima para a produção do etanol—disse Kislanov.

JURO MAIS BAIXO SÓ EM 2023

Para Tatiana Nogueira, economista da XP, a inflação perde força em 2022 com o efeito da política monetária mais restritiva e da atividade econômica enfraquecida, ficando em 5,2%, mas há risco de o índice ficar mais alto. Ela cita a estimativa mais baixa de safra no mercado internacional, com impacto nos preços, seca no Sul e altas de preços de defensivos agrícolas e fertilizantes:

— O preço não vai cair, ele só vai subir menos.

Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, prevê que o câmbio fique no patamar de R$ 5,75 em 2022 dado o cenário eleitoral:

— Vai ser uma situação desconfortável de dois anos de estouro do teto da meta. Isso deve impedir o BC de reduzir juros no segundo semestre. Ele só poderá fazer isso em 2023.

João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos, ainda vê o IPCA fechando 2022 em 5%, teto da meta, mas cita a retirada de estímulos monetários nos EUA, a disseminação da Ômicron, a discussão eleitoral e as dúvidas sobre apolítica econômica do próximo governo como riscos que podem pressionar o indicador.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação das famílias com renda de até cinco salários mínimos, fechou 2021em 10,16%. Ele serve de referência para reajuste de aposentadorias, pensões e transferências do governo.

Para analistas, os preços dos produtos agropecuários devem continuar em alta ao menos no primeiro semestre.