Título: A caçada antes do crime
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 24/01/2006, País, p. A6
SÃO PAULO - A família de Sandra Gomide espera que o calvário tenha chegado ao fim. Há dois mil dias, João e Lenilda estão na expectativa do julgamento do ex-diretor de redação de O Estado de S. Paulo Antônio Marcos Pimenta Neves. O jornalista matou a ex-namorada em 20 de agosto de 2000. O advogado do casal, Luiz Fernando Pacheco, calcula que o julgamento acontecerá este semestre. Na época, Pimenta deu provas de comportamento autoritário. Na noite daquela sexta-feira de agosto de 2000, aguardava a voz de prisão sem dois pequenos objetos que carregava no bolso quando chegou ao hospital. Eram cápsulas de balas calibre 38, recolhidas pelos delegados que tomaram seu depoimento. Pimenta protestou. Queria guardar para sempre a lembrança em metal dos tiros que mataram Sandra. Assim, terminava a reportagem de Época sobre a morte de Sandra Gomide, ocorrida no domingo anterior.
Durante o interrogatório, Pimenta demonstrou sinais de irritação com os ritos de seu processo. Gritou:
¿ O que estou dizendo é que é inútil esse tipo de interrogatório, porque se eu não sentar e escrever vai sair muita besteira aqui ¿ impacientou-se. ¿ Ninguém tem memória para registrar esses pormenores. Eu sou especialista nisso.
A lição, ministrada por Pimenta a um promotor de Justiça, três delegados e um advogado, foi exibida para milhões de espectadores na televisão. Tratou-se da cena mais desconcertante da fita de vídeo que documentou o primeiro depoimento prestado à polícia pelo assassino.
Pimenta Neves e Sandra Florentino Gomide se conheceram na redação da Gazeta Mercantil em 1995, quando ela era repórter e ele, diretor de redação. Dois anos depois, começaram a namorar. Apresentado a Pimenta, o pai de Sandra, João Florentino Gomide, ponderou que se tratava de um homem 31 anos mais velho que a filha. Mas Pimenta logo passou a freqüentar a casa de João, e o sítio em Ibiúna, a 70 km da capital.
Em outubro de 1997, Pimenta saíra da Gazeta Mercantil. Três meses depois, Sandra foi demitida. O namorado quis contratá-la de imediato como repórter de O Estado de S. Paulo. Ela disse à família que gostaria de ser independente e procurou outro emprego. Após seis meses, aceitou a oferta do namorado. Virou repórter especial do Estadão.
Em outubro de 1999, foi promovida a editora de economia. O casal encerrou o relacionamento na última semana de maio daquele ano. Pimenta afirmou ter descoberto que Sandra se apaixonou pelo jornalista Jaime Mantilla, um dos proprietários do jornal equatoriano Hoy. Mantilla e Sandra trocaram mensagens por e-mail. Pimenta lera a correspondência depois de violar a senha de acesso à caixa postal da namorada. Em 1º de junho Sandra soube, pelos colegas, que seria demitida. Procurou o chefe e ex-namorado. Os dois discutiram.
¿ Você não sabe do que eu sou capaz ¿ ameaçou-a.
¿ Estou me sentindo como uma caça ¿ disse Sandra ao irmão Nilton.
Pimenta impediu que duas ofertas de emprego a Sandra se consumassem. Três semanas antes do assassinato, ela foi contratada pelo Patagon, portal financeiro da internet. Carlos Franco, repórter do Estadão, ajudou-a a conseguir o novo emprego. Foi demitido pelo diretor de redação. No dia 5 de agosto o jornalista invadiu o apartamento da ex-namorada. Agrediu-a verbalmente, deu-lhe dois safanões e, revólver em punho, ameaçou matá-la. Pimenta exigiu a devolução dos presentes e saiu.
Dia 20, Pimenta Neves chegou ao Haras Setti às 7h. Cavalgou até as 11 horas. Às 14h30, deixou o local em um Renault Clio preto, mas retornou. Minutos depois, Setti ouviu Sandra gritar:
¿ Não, Pimenta, não. Me ajuda ¿ apelou ela.
Em seguida, som de dois tiros. Correu para a rampa de acesso às cocheiras e avistou o carro de Pimenta. Setti recuou alguns passos e viu o corpo estirado no chão.