Título: 'Uma nova era para os indígenas'
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 22/01/2006, Internacional, p. A9,10

Evo Morales leva 20 mil a lugar sagrado para agradecer a eleição. Em discurso, comparou ritual à Revolução Cubana

LA PAZ - O dia acabava de nascer quando indígenas de todas as 36 etnia s que compõem a Bolívia começaram a se reunir e a erguer suas bandeiras coloridas. Muitos preferiram não arriscar e dormiram em Tiwanacu, um povoado a uma hora e meia de La Paz, onde está um dos mais antigos sítios arqueológicos do país. O motivo era mais do que especial: o presidente aymara Evo Morales saudaria seus semelhantes e agradeceria a vitória conquistada em 18 de dezembro. A peregrinação até a pedra central onde o líder seria purificado começou cinco horas antes da chegada do novo governante e foi acompanhada pelo rufar dos tambores e o som suave das flautas andinas. Lá, Morales foi aclamado chefe-supremo dos indígemas andinos.

Nas pequenas ruas do vilarejo, ficou evidente uma ''evomania''. O rosto mais explorado nos últimos dias estava em camisas, ponchos, bandeiras, calendários, chaveiros, biografias e até em pequenas carteiras que, dizem, trazem a sorte da fortuna. A bandeira wipala - que tem as cores do arco-íris e representa os povos índios - era mais cara que a vermelha, amarela e verde da Bolívia. Era de se compreender: a partir daquele momento, as cores nacionais eram as indígenas. A cerimônia foi marcada pelo encontro de etnias, ritmos, vestimentas e rituais de grupos que vinham de todos os cantos do país e traziam, além de seus costumes, sua forma de desejar sorte a Morales.

- São 500 anos esperando por esse dia - disse o agricultor aymara Wilmer Paz, de 26 anos.

Emocionado, mas com a voz firme de quem está confiante, o indígena reforçava que agora ele também é governo:

- Não viemos aqui para dizer somente ''Viva Evo'', mas para dizer que estamos com ele não importa o que houver. Estamos preparados para a guerra. Não temos o que perder - repetia.

Ao seu lado, Inácio Ramos, um indígena de 51 anos vestindo um manto vermelho, próprio para ocasiões especiais, fazia coro:

- Vamos defender o governo com sangue, porque assim chegamos aqui. Isso é uma revolução e usaremos até fuzil, se for preciso.

Mas os responsáveis pela chegada do líder ao poder se decepcionaram quando perceberam que a eles estava reservado o espaço atrás das grades que cercavam convidados especiais e imprensa. Um forte esquema de segurança foi montado para conduzir Morales ao local do ritual, onde faria um caloroso discurso.

Ao anunciar uma nova era, inicialmente em dialeto aymara, o presidente eleito, que toma posse hoje, anunciou como prioridade a formação da Assembléia Constituinte, que deverá ser votada em 2 de junho, adiantou.

Vestido com um manto vermelho, uma coroa e um colar que trazia folhas de coca, o líder empolgou a multidão, de 20 mil pessoas, ao evocar o líder Che Guevara, morto no país. E comparou a cerimônia à Revolução Cubana.

- Hoje começa uma nova era para os indígenas de todo o mundo. Só com a força do povo vamos acabar com o estado colonial e o modelo neo-liberal - disse, emocionado.

Após o discurso que emocionou até quem estava ali por curiosidade, Morales, no portal do Templo do Sol, recebeu oferendas de representantes estrangeiros. A cada país que subia àquela espécie de altar onde estava o índio, uma forma diferente de desejar sorte.