Título: O extermínio programado dos barnabés
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 25/01/2006, Opiniao, p. A11

Amigo de muitos anos, colega do curso ginasial no finado Instituto La-Fayette, compadre na seqüência do tempo - cujo nome não revelo para poupá-lo de constrangimento - cumpriu uma carreira exemplar de servidor público. Conquistou o emprego por concurso, na severidade do sistema do mérito implantado pelo Departamento Administrativo do Serviço Público, o DASP, rebento moralizador da ditadura do Estado Novo, de enrubescer de vergonha a bagunça que alcança o vexame histórico nos últimos dois governos: o do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e o do torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva, tão semelhantes que se confundem no que só pode ser uma política programada de extermínio dos barnabés.

Meu amigo subiu na carreira com as promoções por merecimento, até o último degrau, quando o limite de idade impôs a aposentadoria indesejada. Proprietário de apartamento na Tijuca, filhos encaminhados, netos adultos na briga pelo emprego, os bisnetos encantando a década dos oitenta: a velhice garantida nos limites de ambições modestas.

Nos últimos onze anos, de 1995 do reinado de FHC ao populismo demagógico do neoliberalismo de Lula, meu compadre vem engolindo o pão azedo do empobrecimento e só não baixou à miséria da privação do mínimo pela resistência do casal, com o corte de despesas, a começar pela diversão reduzida aos insossos programas de TV à renúncia aos passeios e visitas no veterano Fusca, paralisado na garagem com o tanque seco.

Mostrou-me a conta das despesas mensais, registradas no caderno com a precisão dos centavos: é o retrato de duas vidas condenadas pelo deboche da demagogia e a insensibilidade oficial.

Aos fatos. Nos dois mandatos do presidente FHC, de 1995 a 2003, os barnabés embolsaram os níqueis do reajuste de 5%, em 2002, por obra e graça de decisão do Supremo Tribunal Federal. E o repique de 4%, previsto no Orçamento do ano seguinte, executado na era Lula. Portanto, dois reajustes ínfimos em nove anos de gastança e desperdício, da farra das privatizações e do ensaio da compra de votos para a reeleição, depois consagrada na orgia da roubalheira do PT na caçoada lulista.

O pior estava a caminho e chegou na onda de esperanças dos 53 milhões de votos da eleição do candidato que prometeu tudo na campanha. Daí para diante, com as mais descaradas desculpas, mentiras e dribles, Lula empurrou o barnabé para os porões dos cortiços. Dos vencimentos triturados em três anos de maldição, a dignidade do emprego que já inflou peitos ilustres baixou para a espórtula que não enche barriga e mau chega ao fim do mês de panelas raspadas.

Além da avareza, as desculpas da hipocrisia. E as promessas da chacota. Em 2004, no meio do mandato, fingiu que cumpriu a Constituição e atirou o óbolo de 1% (sim, senhores: um por cento!) na cara dos barnabés. Gostou da troça, bisou em 2005, com a piada de mais um zero: 1,01 % - um centésimo por cento de reajuste, que nem pagou para agravar o castigo.

Este ano de eleição, com Lula em campanha, não se sabe o que vem na rolagem dos comícios e dos improvisos. Para um acerto sério de contas, em cima da inflação no período de onze anos, o reajuste de 132% seria o lance para o começo de conversa. Mas, não adianta cultivar ilusão. O relator do Orçamento deste ano, deputado Carlito Merss (PT-SC), anuncia a previsão de um reajuste que alcance a 29% até o fim do governo do seu partido.

Pode ser, só vendo para acreditar. O governo não pode apelar para a sovada desculpa da falta de dinheiro em caixa. Dinheiro é o que não faltou até agora no fandango dos ricos, E desde a mais cara e corrupta campanha de todos os tempos à prodigalidade no atendimento das exigências do Judiciário, regado pelos dois reajustes em cascata da mágica da dupla formada pelo ministro Nelson Jobim, presidente do STF e o então presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, de portentosa biografia.

As Forças Armadas, depois de anos de escanteio, foram atendidas. No Congresso das mordomias, das vantagens e espertezas, os mais de trinta mil funcionários ativos e aposentados, com o aumento de 15% e os atrasados, batem no céu da média salarial ao redor de R$ 10 mil mensais.

Entre os servidores, as categorias beneficiadas com reajustes especiais, como a Polícia Federal, os fiscais da Receita Federal e ilustres especialistas considerados indispensáveis botam a boca no mundo, fazem greve e acabam com o acordo que silencia os protestos.

Os barnabés são os órfãos da creche oficial. Só têm a seu favor a lei, que não vale nada. O Art. 37, item X da Constituição, determina com solene gravidade: ''a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4° do art 39 somente poderão ser fixados por lei especifica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.''

Assegurada a revisão geral anual, sempre na mesma data? A Constituição também cultiva a ficção. E Lula sabe curtir uma piada...