Título: Febre tifóide devastou Atenas
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Fonte: Jornal do Brasil, 25/01/2006, Internacional / Ciencia, p. A12

É a primeira vez que cientistas encontram uma das razões para declínio do império

ATENAS - Um dos motivos que contribuíram para o declínio do domínio ateniense na Antiguidade foi uma epidemia de febre tifóide. A descoberta é de pesquisadores gregos que analisaram a cobertura dentária de um fóssil. O DNA coletado é semelhante ao que causa a doença, uma infecção que é transmitida através de água e comida contaminadas. Atualmente, o mal é mais comum em países em desenvolvimento.

- Esse relatório esclareceu um dos enigmas mais debatidos da história da medicina- afirmou Manolis Papagrigorakis da Universidade Atenas, co-autor do trabalho. - Estudar os aspectos históricos das doenças infecciosas pode ser uma ferramenta poderosa para enriquecer o conhecimento de diversas disciplinas - acrescentou.

Autores clássicos consideram que a epidemia contribuiu para que a antes toda-poderosa Atenas caísse em 405 a.C, quando a marinha de Esparta pôde atacar e invadir a cidade já enfraquecida. O antigo império foi gradualmente desmantelado até que Roma conquistou a Grécia em 146 a.C.

Acredita-se que mais de um terço da população de Atenas morreu devido à praga, o que inclui grande parte do Exército. O mal, que se espalhou pela Líbia, Egito e Etiópia até chegar a Grécia em 430 - 426 a.C, permitiu que Esparta se tornasse o Estado mais poderoso na época, pondo um fim ao governo de Péricles, durante a Era de Ouro. O popular líder foi uma das vítimas do mal.

É a primeira vez que se consegue provas microbiológicas em relação à devastadora epidemia. Até hoje, o conhecimento científico que se tinha a respeito do episódio era baseado nos relatos do quinto século antes de Cristo, do historiador grego Tucídites, que também foi infectado no período, mas conseguiu se recuperar. Apesar de sua descrição detalhada, os pesquisadores nunca chegaram a uma conclusão definitiva sobre qual foi o mal responsável por tantas mortes. Consideravam que poderia ser desde varíola, ebola, antrax, tuberculose e até sarampo.

Mas especialistas chegaram a descartar a hipótese de febre tifóide por causa da diferença dos registros deixados pelos historiador com os sintomas modernos da enfermidade. Essa discrepância pode estar relacionada com a evolução da febre tifóide ao longo de centenas de anos, esclarecem os cientistas.

Através da escavação de túmulos enterrados durante o mesmo período no antigo cemitério Kerameiko, os cientistas obtiveram os fósseis. O sítio, onde havia, pelo menos, 150 corpos distribuídos por cinco camadas, começou a ser explorado em meados da década de noventa. Foram selecionado aleatoriamente três dentes, para a análise. Utilizando técnicas modernas, que possibilitam a recuperação e ampliação do material genético da bactéria obtida, os cientistas puderam fazer a comparação deste com o DNA de sete doenças causadas por vírus e bactérias. No final, foram identificados seqüências semelhante a da atual Salmonella enterica serovar Typhi, o organismo que causa a febre tifóide.

De acordo com os registros de diarréias e disenterias, a febre tifóide era, provavelmente, um problema endêmico na Antiguidade. O trabalho foi publicado na edição on line do International Journal of Infectious Diseases.

O professor de antropologia dentária do Instituto de arqueologia da Universidade de Londres, Daniel Antoine, descreveu o trabalho como sólido e muito interessante. No entanto, acrescentou:

- Seria bom, repetir a análise realizada pelos pesquisadores em laboratório, utilizando uma amostra maior, retirada do sítio do mesmo período. Para que a febre tifóide seja considerada a única causa da praga, o que eliminaria a possibilidade de um surto isolado da doença.