Título: Entre a salvação e o abandono
Autor: Florença Mazza e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 25/01/2006, Rio, p. A13

Falta de leitos e excesso de pacientes levam médicos a um dilema de consciência: quem atender?

Assim como no filme A Escolha de Sofia, quando uma mãe polonesa, para escapar da perseguição nazista, decide qual dos seus filhos vai morrer, os médicos que trabalham nos hospitais públicos do Rio precisam lidar com a culpa de ter que escolher um paciente para sobreviver. Na maioria dos casos, os profissionais decidem entre doentes graves que necessitam de vaga no Centro de Tratamento Intensivo (CTI). A escolha dos médicos é agravada pela falta de leitos e pelo excesso de pacientes. Médico de um hospital municipal na Zona Norte, S., 55 anos, há 33 na profissão, conta que decidir pela vida de um paciente é uma luta diária contra a consciência. Ele não consegue se esquecer do dia em que precisou escolher entre um senhor de 65 anos, que tinha operado a artéria aorta, e um adolescente com politraumas para ocupar o leito do CTI. Segundo o médico, a opção foi pelo menino de 12 anos.

- O paciente de 65 anos foi para a enfermaria e não sobreviveu - lamenta o médico, que culpa a falta de planejamento das autoridades para adequar os hospitais de acordo com o aumento da demanda de atendimento.

A dúvida sobre a escolha certa também não sai do pensamento do médico M., 65, que trabalha em um hospital municipal na Zona Sul.

- Fico pensando: será que é o mais novo ou o mais velho que merece ser passado para trás? Decidir é sempre muito estressante - desabafa.

Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio (SinMed), Jorge Darze lembra que o artigo 2º do Código de Ética Médica diz que ''o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional''. No entanto, segundo Darze, hoje, os médicos convivem com o conflito da obrigação de cumprir o estatuto e a crise da saúde pública:

- Como é possível um médico de plantão no Souza Aguiar, que atende 250 pessoas, dedicar o máximo de zelo? Nesse contexto crítico, às vezes assistimos impotentes à morte dos nossos pacientes - diz Darze.

Segundo o prefeito Cesar Maia, quando há mais pacientes do que médicos nos hospitais municipais, a orientação da prefeitura aos profissionais é para dar prioridade aos casos mais graves.

- A hierarquia é sempre a gravidade. Calcula-se que pelo menos 40% das pessoas nas filas de emergência são casos médicos, mas não de emergência - explica o prefeito.

Diretora dos Médicos Sem Fronteiras no Brasil, Simone Rocha conta que quando há uma catástrofe, guerra ou epidemia geralmente os profissionais não têm de escolher quem atender. Segundo ela, houve poucos casos em que a demanda de assistência era superior à capacidade.

- Ainda que duas ou mais crianças tenham que dividir um mesmo leito num hospital, vamos tratá-las todas. Se não há hospitais, montamos tendas - diz Simone.