Título: Salários no centro da polêmica
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 19/01/2006, Internacional, p. A8

A proposta do MAS de redução dos salários dos deputados pela metade, apresentada na primeira sessão do novo Parlamento, na terça-feira, foi aplaudida pelos pacenhos e questionada pela oposição de direita. Segundo a sugestão do governo eleito, os parlamentares passarão a ganhar 10 mil bolivianos, o equivalente a pouco menos de R$ 3 mil.

- Tem muito deputado andando de Mercedes. É dinheiro demais se comparado às condições do povo. Evo queria a redução quando ainda era deputado. Acho que agora sai - diz o taxista Saul Ruíz, cobrando a falta de empregos e esperando oportunidades com a nacionalização do gás:

- Se chegar esse dinheiro, senhorita, imagina como vai ser - comemora, sonhando com investimentos em saúde e educação, ''o que leva um país a seguir em frente''.

Já um senhor que tem uma barraquinha que oferece serviços telefônicos - mais comuns em La Paz que os telefones públicos - pergunta:

- No Brasil, os deputados ganham tanto quanto aqui? Tomara que Evo baixe os salários.

Para a oposição, o gesto não faz sentido:

- Só tem cabimento se reduzir também os de professores e outros funcionários públicos - afirma Sandra Yánez, do partido Podemos.

A oposição, que antes estava no poder, é alvo das queixas de Ruíz, desfiadas enquanto conduz o táxi para o mercado de coca, a 15 minutos do Centro de La Paz:

- Aqui o problema era esse. Não conseguíamos conquistar o que queríamos porque os antigos governos não deixavam. Quem chega ao poder sem diploma é muito mais valente e inteligente que essas outras que buscam os próprios interesses. O MAS sempre lutou contra a corrupção. Acredito que vai frear essa festa que fazem com nosso dinheiro, que sempre existiu no país.

No mercado, o cocalero Juan Sarate diz que o corte ''é uma questão de dignidade'':

- O MAS vai fazer um governo diferente de todos os outros - diz, confiante, mascando coca.

Mas para o jornal americano The Washington Post, a eleição de Morales é um ''retrocesso ao passado da América Latina''. Em editorial, o diário compara o cocalero à presidente eleita do Chile, Michelle Bachelet:

''O socialismo de Morales é o estatismo populista que apareceu na região há mais de meio século. O Chile brilha e se comporta mais como europeu do que como um de seus vizinhos''.