Título: Crise política faz crescer expectativa do voto nulo
Autor: Josie Jeronimo e Sergio Duran
Fonte: Jornal do Brasil, 22/01/2006, País, p. A4

Para especialista movimento busca desagravo contra classe política

A tendência de crescimento da mobilização em favor do voto nulo para as eleições proporcionais, de deputados federais e estaduais este ano, é concreta segundo avaliação da cientista política Lúcia Hippólito. A principal motivação deste movimento é protestar contra a classe política, mergulhada em denúncias envolvendo o pagamento de propinas, uso de recursos ilegais de caixa dois, tráfico de influência, entre outros. Outro movimento que poderá ser observado, segundo ela, é a iniciativa de voto em candidatos que nunca exerceram mandato. Assim, seria promovida uma renovação radical no parlamento.

- O país vive uma situação de crise às vésperas das eleições e está sujeito a manifestação de desagravo. Não é o caso de deslegitimação de todo o processo político e da democracia, mas sim contra a atual classe política brasileira.

A não diferenciação dos partidos e seus projetos de governo, as mesmas suspeitas de crimes envolvendo diferentes legendas, a perda de prestígio do Partido dos Trabalhadores combalido pela crise são fatores lembrados pelos defensores da campanha do voto nulo.

Apesar do levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS-JB) ter verificado baixo índice de eleitores no estado do Rio aptos a votar nulo nas eleições proporcionais (1,81%), os motivos apontados pelos entrevistados da pesquisa estão de acordo com a análise feita pela cientista política. Dentro deste percentual, a maioria dos entrevistados justificou a anulação do voto por considerar os políticos ''corruptos, ladrões, safados''. Em seguida, as respostas com maior incidência diziam respeito ao fato ''dos políticos só pensarem em seus interesses'' e ''só aparecerem em época de eleição''.

Hippólito lembra que o voto nulo é o decidido de forma consciente pelo eleitor e não deve ser confundido com as amostras divulgadas de eleitores indecisos. A pesquisa IBPS ainda aponta que 88% dos entrevistados estão indecisos em sua intenção de voto para deputado federal e 89% para deputado estadual.

- Não vejo o voto nulo como positivo, nem como negativo. Mas como um sinal de como a sociedade entende os fatos do dia-a-dia da classe política e seu sinal de reprovação. A mensagem é: ''não queremos este cardápio que está aí, queremos mudanças'' - analisa.

A intenção das pessoas que declaram anular o voto como uma opção política é alcançar mais de 50% de votos nulos em uma eleição. Com esse resultado a disputa seria cancelada e novas eleições teriam de ser convocadas com candidatos diferentes dos anteriores.

Segundo o cientista político da UFMG Fábio Wanderley Reis, o voto nulo é uma crítica ao sistema, acontece de forma ''desorientada'', porque não oferece alternativas para o modelo de escolha de representantes, apenas o boicota.

- O voto nulo é um ato anti-institucional e é impossível pensar em mudanças fora das instituições. Faria mais sentido se as pessoas que estão desiludidas com a política apresentassem uma proposta de renovação. Por exemplo, votassem em candidatos que nunca obtiveram mandato - analisa.

Fábio Wanderley aponta ainda para o risco de a desilusão com as urnas favorecer legendas menores, sem representatividade nacional ou a eleições de líderes carismáticos.

- Como o PT e o PSDB tiveram seus nomes envolvidos em atos escusos, é possível que siglas sem representatividade assumam esses espaços. Esse cenário de desilusão eleitoral pode também ter um desdobramento mais dramático como o favorecimento de figuras como o ex-governador e pré-candidato pelo PMDB Anthony Garotinho - afirma o estudioso, acrescentando que o PSOL deverá ser beneficiado com a crise política.