Título: Futuro sombrio para a medicina
Autor: Florença Mazza e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2006, Rio, p. A6

Depois de quase 11 anos de estudo, H., 28, médico residente em um hospital municipal da Zona Sul, está a poucos passos de disputar uma vaga no mercado de trabalho. Especialista em urologia, ele ainda não sabe o que vai fazer quando terminar a residência. O médico, porém, tem uma certeza: não quer trabalhar em hospital municipal, estadual ou federal. A sobrecarga no atendimento, o estresse, a falta de equipamentos, de remédios e os baixos salários são alguns dos motivos que levaram o jovem desistir do emprego público. - Não quero estar operando e ver faltar fio para a sutura quando a vida do paciente estiver nas minhas mãos - justifica H.

A menos de um ano para terminar a residência, o jovem tem uma dura rotina. De segunda a sexta-feira, ele trabalha no hospital municipal das 6h30 às 21h e nos fins de semana faz plantões em uma clínica particular. O residente ganha de R$ 1.300.

- Penso em abrir um consultório, mas para ter pacientes, preciso entrar num plano de saúde que cobra até R$ 16 mil pela adesão - lamenta H., acrescentado que poucos são os hospitais particulares que assinam a carteira de trabalho.

Os baixos salários, a sobrecarga no trabalho e a impotência do profissional para resolver os problemas levam o residente optar por especialidades que não exigem o trabalho na emergência de um hospital, observa o coordenador regional da Comissão Nacional de Residência Médica, Carlos Machado.

Segundo ele, em 2005, dos 4.496 candidatos a residência nos hospitais públicos do Rio 490 escolheram a dermatologia. Os dados são da Fundação de Escola de Serviço Público (Fesp), responsável pelo concurso. Foram oferecidas 445 vagas, nove delas para tal especialidade.

Na avaliação de Machado, o fenômeno pela escolha da dermatologia também acompanha o crescimento do mercado. Ele conta que muitos dos recém-formados, filhos de médicos pediatras, obstetras, cirurgiões gerais e clínicos, admiram o trabalho dos pais, mas não querem exercer a mesma função. No último concurso da Fesp, 244 candidatos optaram pela pediatria e 195 por obstetrícia e ginecologia.

- Vejo com preocupação o futuro de algumas especialidades. Além de enfrentar o pior vestibular e uma longa pós-graduação, o médico está se formando estressado com a profissão que mal começou - avalia Machado.

Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio (SinMed), Jorge Darze lembra que enquanto cresce a procura dos residentes pelo diagnóstico por imagem (exames como a tomografia) diminui a opção pelas carreiras de neurocirurgia, emergencista e na área de ortopedia.

Formada há seis anos, C., 29, conta só fez a faculdade de medicina porque era um pré-requisito para a oftalmologia.

- Durante os seis anos de faculdade, detestei todas as matérias, tirando as que tratavam da minha especialidade. Por várias vezes, passou na minha cabeça largar tudo - conta C.

A ginecologista e obstetra, M., 29 anos, formada há cinco anos, completa:

- Você ganha muito pouco, apenas um percentual da consulta no fim do mês, é pouco valorizada e perde de vista o tão sonhado reconhecimento - diz.

O presidente do SinMed alerta: as faculdades precisam formar médicos em especialidades que também atendam as necessidades da população.