Título: O desafio de ser governo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2006, Internacional, p. A10
NOVA YORK - A vitória do Hamas nas eleições palestinas surpreendeu não apenas analistas e atores políticos, mas os próprios membros do movimento. Muitos pensam que não foi um erro dos institutos de pesquisa. O mais provável é que o povo tenha escondido sua real preferência nas pesquisas de intenção de voto. Ninguém pode dizer que as eleições não foram livres. Observadores internacionais não constataram violência ou coerção. Assim, o pleito foi justo e reflete a intenção do eleitorado. Em retrospecto, fica claro que a escolha da população foi alimentada por anos de ineficácia e corrupção por parte da Fatah. Eles queriam uma mudança.
Com uma campanha puxada pelo mote ¿Mudança e Reforma¿, o Hamas focou menos em suas relações com Israel e mais nos problemas locais, como provisão de saúde, educação e demais serviços sociais. O grupo tem uma reputação forte. E também enfatizou a promessa de um governo honesto e transparente, muito apelativa em uma população que considera a Fatah desprovida de tais atributos.
Vitorioso, o Hamas tem agora um desafio enorme: governar o povo palestino em nível nacional. Alguns líderes do movimento já tinham cargos locais, mas não estavam envolvidos com a Autoridade Palestina. Agora são ¿parte do sistema¿ e terão que encontrar soluções para as penúrias dos palestinos, em vez de apenas criticar as ações de outros.
Isto será particularmente difícil em relação a Israel. Os promotores do Mapa do Caminho ainda não decidiram como lidar com um futuro governo do Hamas. Uma das hipóteses mais pessimistas é a redução do apoio financeiro à ANP, o que seria ainda mais devastador para o povo palestino.
Por fim, é dever do mundo respeitar os resultados de um pleito livre ¿ e isso inclui os Estados Unidos, que ¿apressaram¿ a democracia nos territórios. A verdade é que EUA e Israel têm uma certa responsabilidade na resposta das urnas, pois fecharam os olhos para as denúncias de corrupção de membros da Fatah. E agora, o poder mudou de mãos.