Título: Vitória do Hamas sacode ANP
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Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2006, Internacional, p. A10
RAMALA, Cisjordânia - A Palestina foi sacudida ontem por um terremoto político. Contrariando previsões, o movimento radical Hamas, debutante em processos democráticos, ganhou a maioria dos 132 assentos do Parlamento palestino, impondo uma dura derrota à Fatah e obrigando o primeiro-ministro Ahmed Qorei e todo o Gabinete a renunciar ao poder. A escolha do eleitorado palestino também vai forçar uma revisão de postura política dos atores da negociação de paz na região, principalmente Israel, além da ONU, da União Européia, Estados Unidos e Rússia.
Com 95% dos votos apurados, o Hamas conquistou 76 cadeiras, contra 43 da Fatah, que comanda a Autoridade Nacional Palestina (ANP) desde o início dos anos 90. Os 13 assentos restantes vão para partidos menores e candidatos independentes. Esta configuração desobriga os radicais a sequer imaginarem uma coalizão.
Diante do quadro de diminuição de importância de seu partido, Qorei ofereceu sua renúncia. E garantiu que a Fatah não vai se juntar ao Hamas no novo governo.
Em Washington, o presidente americano George Bush disse que a vitória do Hamas - considerado pelos EUA uma organização terrorista - é um sinal de alerta para a liderança palestina, que vive em meio a denúncias de corrupção. Mas salientou esperar que o presidente Mahmoud Abbas continue no poder.
Como resposta, a Liga Árabe lembrou que os EUA não devem usar um julgamento dúbio:
- Não podem promover a democracia e rejeitar os resultados desta mesma democracia - afirmou o líder do grupo, Amr Moussa.
David Makovsky, analista do Instituto de Política do Oriente Médio, em Washington, vai além e sustenta que o maior derrotado no pleito palestino não é a Fatah, mas o próprio Bush. Foi o líder americano quem falhou em fortalecer as instituições democráticas que poderiam ajudar Abbas a se manter no cargo.
- A Casa Branca já deve estar se questionando se não jogou o processo num penhasco ao apressar o pleito - afirma.
Agora, a única tática que possui para fazer o Hamas baixar armas e aceitar negociar com Israel é contar com a ajuda da comunidade internacional. A UE, por exemplo, é a maior financiadora da ANP - que agora estará nas mãos de um grupo que o bloco europeu também colocou na ''lista negra'' do terror.
- O Hamas é um movimento ideológico e não é provável que mude facilmente. Mas uma frente internacional unida pode forçá-lo a mudar - opina Makovsky.
Outros analistas apostam ainda que, apesar de estar exultante com a vitória, o Hamas sabe que não está preparado para assumir sozinho uma responsabilidade tão grande quanto governar os palestinos. Ismail Haniye, líder da lista política do movimento, admitiu ontem que pretende se reunir com a Fatah e outros grupos minoritários para formar o que descreveu como uma ''parceria política''. Não vai abrir mão, entretanto, do principal projeto: destruir o Estado sionista:
- Negociar ou reconhecer Israel não está na nossa pauta agora.
E outra autoridade da lista, Mahmoud Zahar, acrescentou que a trégua continuará sendo respeitada, se Tel Aviv fizer o mesmo.
- Se não, a única opção que nos resta é proteger nosso povo e nossa terra - desafiou.