Título: Realidade longe do projeto original
Autor: Patrícia Alencar
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, Brasília, p. D3

O encanto acabou. Os Centros de Atenção Integral à Criança (Caic) acabaram virando escolas-classes como outras quaisquer. Alunos, comunidade e professores não contam mais com projetos sociais, esportivos, culturais e profissionalizantes, como antes. Poucas escolas mantêm atividades extracurriculares. Quando o fazem, contam apenas com o esforço dos professores e da comunidade. A realidade está bem distante dos anos dourados de 1991, quando o programa foi inaugurado. Para bancar pequenos consertos cada escola faz o que pode. Vale de tudo: ajuda da comunidade, aluguel das dependências da escola, festas, almoços, jantares dançantes e eventos pagos. Hoje, os Caics recebem duas verbas anuais, uma federal e a outra distrital, que vêm do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Programa de Descentralização de Recursos Financeiros (PDRF), respectivamente. O montante dos recursos depende do número de alunos matriculados.

Maria de Souza Macedo, assistente pedagógica do Caic Bernardo Sayão, em Ceilândia Sul, afirma que com a verba anual não dá para pagar as despesas mensais da escola, que atende 1.200 alunos da educação infantil. A instituição de ensino recebe cerca de R$ 20 mil para pagar suas contas.

- O grande problema que enfrentamos atualmente são as infiltrações no telhado. Em consequência disso, a rede elétrica está totalmente comprometida. Os alunos correm o risco de tomarem um choque, porque a fiação fica totalmente exposta. Com o dinheiro que recebemos não dá para pagar uma reforma geral na infra-estrutura da escola. A Secretaria de Educação nunca realizou um serviço geral de manutenção.

O Caic Anísio Teixeira, em Ceilândia, conseguiu construir, em 1999, uma piscina com dinheiro arrecadado numa festa junina. O espaço é usado para aulas de natação de 1.300 alunos e hidroginástica para a comunidade.

Abandono - A doméstica Marli de Farias, de 35 anos, tem dois filhos matriculados no Caic Anísio Teixeira. Ela afirma que a escola está totalmente abandonada pela Secretaria de Educação. O colégio sempre pede ajuda dos pais para a compra de material de construção para pequenas reformas.

- O Caic está totalmente ao Deus-dará. A Secretaria de Educação faz pequenas reformas para tapar buracos, porque, se não, a casa cai. Mas a grande verdade é que a escola hoje é movida pelo esforço dos professores, que investem em melhorias com recursos próprios. A nossa comunidade é muito carente. Os pais não podem colaborar com muito. Tem pessoas que dão R$ 5, por semestre. Mas toda ajuda é válida.

No Caic Helena Reis, em Samambaia, a vice-diretora, Eliane do Carmo, afirma que os pombos estão tomando conta da escola. Há períodos do ano, que algumas salas são desativadas por causa dos piolhos. A preocupação da professora é com a saúde das crianças.

- Infelizmente não podemos tomar nenhuma providência para exterminar os pombos. Eles sujam toda a escola, causando mau cheiro. O ginásio de esporte virou o reduto dos bicho. A Vigilância Sanitária já veio ver o problema, mas nada fizeram. Tememos que uma criança adoeça por causa dos piolhos dos pombos.

Segurança - A falta de segurança nos Caics é um problema que assusta direção, professores, alunos e comunidade. Constantemente as escolas são assaltadas. De acordo com a vice-diretora, Eliane do Carmo Aragão, do Caic Helena Reis, em Samambaia - que atende 960 crianças, os meninos invadem o colégio para roubar as lâmpadas para preparar o cerol das pipas, principalmente em época de férias. Outro atrativo para os furtos são os materiais das aulas arte e de ginástica, além dos equipamentos eletrônicos, como caixas de som, computadores, televisões e vídeo-cassetes.

- São poucos os Caics que contam com a presença de policias do Batalhão Escolar. Aqui a gente só conta com um vigia, que infelizmente acaba sendo coagido pelos assaltantes. A própria comunidade não dá valor para as escolas públicas. Essas invasões acabam abalando todo o sistema operacional da escola. Não temos recursos para ficar repondo os objetos roubados. Tudo isso compromete o nosso trabalho. O parquinho e as quadras de esportes foram desativados justamente porque ficam em áreas isoladas.

No Caic Bernardo Sayão, em Ceilândia Sul, a situação não é diferente. Como não há policiamento diariamente, a escola reformou o quarto dos vigias para que eles possam levar suas famílias e, assim, permanecer na escola.

- Só temos um segurança por turno. O espaço físico do Caic é muito grande para ser monitorado por completo. Antes, eles tinham receio de percorrer as áreas sem iluminação da escola. Agora, eles têm a segurança de ter um espaço para eles - afirma a assistente pedagoga, Maria de Souza.