Título: Menos recesso = mais prosperidade?
Autor: Sergio Moura
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, Outras Opiniões, p. A11

Congressistas comemoraram a redução do período anual de recesso de 90 para 55 dias, com só um voto contra, de deputada de Roraima, que, corajosamente, expôs publicamente seu ponto de vista. Também empurraram goelas adentro a proposta de extinção do subsídio adicional para as convocações extraordinárias. Com isso, acham que apaziguam os ânimos dos seus representados e dão satisfação cabal à sociedade. Enganam-se, porque as duas medidas não atacam os principais problemas que prejudicam o funcionamento do Legislativo. Em princípio, trabalhar mal mais tempo por menos dinheiro só aumenta a frustração de todos. Claro que pagar dois salários mensais a mais para quem não fez seu trabalho no expediente normal não faz sentido. Quem de nós faria isso com seus empregados? Pelo contrário, a reação do patrão contra quem não consegue cumprir suas obrigações está entre chamar a atenção do empregado e demiti-lo. Por outro lado, se exigirmos que o funcionário interrompa as férias para trabalhar, ou lhe pedirmos horas extras, devemos recompensá-lo. Também, à primeira vista, parece sensato trazer a duração do recesso parlamentar para mais próximo do período de férias do mercado normal de trabalho, 30 dias, sob a falsa impressão de que congressista tem de estar na comissão ou no plenário, de segunda a sexta.

É razoável estendermos a congressistas os conceitos que adotamos para o mercado de trabalho? Acho que não. Conceitos como honestidade, responsabilidade e devolução em bons serviços dos rendimentos recebidos são aplicáveis a ambas situações. Mas, antes de julgarmos que mercado de trabalho e atividade congressual são análogos, refletiremos sobre a missão do congressista.

A missão precípua do Congresso, junto com os poderes executivo e judiciário, é garantir a crescente prosperidade do nosso povo, como determina nossa Constituição. Em segundo lugar, cabe ao Congresso fiscalizar o Executivo, para certificar-se de que este não está usurpando poder, mas gerenciando os bens públicos com parcimônia.

Os inquéritos, como os que vimos assistindo desde junho de 2005, e as leis são instrumentos da atividade congressual, não o seu fim. Obedecendo ao preceito constitucional, só podemos medir o sucesso da missão congressual pela prosperidade do povo e pela comparação com a prosperidade de outros povos, mas não pela quantidade de leis que o Congresso aprova e o Executivo sanciona. Se deste modo fosse, bom seria o Congresso que mais conseguisse fazer leis por minuto.

Com salário médio de 733 reais, renda per capita em 1/7 da do mundo desenvolvido, 60 milhões de pessoas sobrevivendo com esmola do governo, desmandos nos gastos públicos e corrupção correndo solta, conclui-se que o Congresso não está fazendo o seu trabalho. Se contrapusermos essas duas medidas - diminuir as férias e acabar com o subsídio adicional - ao desempenho dos congressistas, facilmente deduzimos que elas não vão ajudá-los a melhorá-lo em favor do povo. Elas são somente uma maneira de os punirmos pelos permanentes maus serviços, que se refletem em cem anos de pobreza.

Mas, embora a punição seja justa, nós queremos mais do que isso. Para que não precisemos ser trabalhadores ilegais na terra dos outros, queremos salários comparáveis aos do mundo desenvolvido, queremos índices de desemprego que beirem o pleno emprego, queremos pujante e constante progresso.

Para tanto, temos de fazer algumas mudanças estruturais, tais como: 1) aumentar o poder do povo no Congresso, através da adoção do voto distrital para deputados, da extinção do cargo de suplente de senador e da proibição de membro do Legislativo ocupar cargo no Executivo; 2) acabar com privilégios e impunidades consagrados na Constituição, como o de foro especial para crimes comuns; e 3) instituir júri popular soberano e definitivo para qualquer crime.

É difícil conseguir que os congressistas abram mão dos privilégios que a Constituição, feita por eles próprios, lhes garante. Mas, 1º de outubro vem aí. Como eles são nossos representantes, essa é a hora de exigirmos dos candidatos compromissos com essas mudanças estruturais, para oferecermos um futuro digno aos nossos filhos e netos, ao invés de mais cem anos de pobreza.