Título: Indústria do dinheiro fácil
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. A17

Se o dólar fraco feriu de morte muitos exportadores e o crescimento abaixo do esperado frustrou grande parte do empresariado, existe um setor que não vê crise há pelo menos dois anos: o das financeiras. Só no Rio de Janeiro, um verdadeiro exército de distribuidores de folhetos foi formado. Segundo dados do sindicato dos bancários, este mercado já emprega 15 mil pessoas, mais da metade recrutadas no último biênio. Pelas ruas, esta expansão é visível. Lojas tradicionais do varejo deram lugar a grandes ¿butiques de crédito¿, como se diz no jargão do mercado, e não há quem passe ileso por uma caminhada no Centro do Rio ou em bairros populosos, como Tijuca ou Botafogo sem ao menos receber um folheto prometendo ¿dinheiro fácil¿.

Enquanto toda a economia deverá fechar o ano passado com módica expansão de 2,5%, o crédito a pessoas físicas expandiu-se 37,6%, segundo dados divulgados pelo Banco Central. E a abertura de lojas não ficará para trás. Todas as redes estimam abrir, este ano, novas lojas, na esteira de um crescimento de até 100%.

Frutos dos juros ainda elevados e do endividamento crescente do consumidor. As financeiras ostentam as mais altas taxas do mercado, incríveis 278,48% ao ano. Ao todo, este mercado (incluindo os bancos) movimentou R$ 190 bilhões em 2005 e deve chegar a R$ 238,4 bilhões ao fim do ano, segundo previsão da consultoria Austin Rating.

O ¿filé¿ para as financeiras e os chamados promotores ¿ os que distribuem folhetos nas ruas e tentam conquistar clientes ¿ são os aposentados. Isso porque eles costumam pedir financiamentos que atingem o limite disponível no crédito consignado, aquele com desconto direto no benefício do INSS.

¿ O consignado alavancou o banco, já que passamos a atender à população que tinha carência de crédito oferecendo taxas menores ¿ diz o diretor comercial do Banco Cacique, Wanderley Vettore. ¿ Este ano, queremos expandir a rede para crescer além do mercado.

O negócio da Cacique é emprestar ao consumidor, via crédito direto (CDC, para compra de bens), empréstimo pessoal e, a jóia da coroa, o empréstimo a aposentados. Dos R$ 600 milhões emprestados até o fim do ano passado, a maior parte era de consignado para a terceira idade.

As operações de crédito com desconto em folha ¿ no caso de trabalhadores ¿ e de aposentados cresceu 82,7% em 2005, atingindo R$ 32 bilhões emprestados.

¿ Aposentado não pega R$ 500, R$ 600, sempre consome mais. O valor também depende do ponto. Aqui na Tijuca, o tíquete médio é R$ 10 mil a R$ 12 mil. A gente conquista menos cliente do que em Madureira, por exemplo, mas como por aqui tem muito funcionário público, dá para fazer consignado de valor alto ¿ conta um promotor.

Onde trabalha, em uma calçada de menos de 100 metros, na Rua Santo Afonso (Tijuca), há cinco lojas, praticamente uma ao lado da outra: Banco Cédula, Servicash, Fininvest, GE Money e Finasa. Em breve, chegará ao quarteirão uma agência do Panamericano, que ocupará o lugar onde existia uma loja de revelação de fotos.

¿ Não existe desemprego neste mercado ¿ constata a supervisora da loja Servicash (financeira do Banco Arbi) da Tijuca, Eunice dos Santos. Aos 42 anos, Eunice trabalhou por 23 na Fininvest e, desde setembro, está a serviço da concorrência.

¿ Não fiquei nem um mês desempregada. Queria até aproveitar para descansar quando saí da empresa, mas logo veio essa proposta ¿ conta. Entre os promotores, a história não é diferente.

¿ Se eu não quiser mais trabalhar nessa financeira, arrumo emprego em outra ¿ conta um jovem promotor.

Para os que pensam que deve ser chato ¿vender o peixe¿ nas ruas todos os dias, profissionais do ramo garantem: mudar de atividade nem pensar.

¿ Para quê vou trabalhar numa loja? Aqui a gente pode ficar dias sem conseguir nada, mas daí chega uma ficha (um cliente) que compensa os dias sem trabalho ¿ explica.

A remuneração básica dos promotores é 3% do empréstimo feito pelo cliente conquistado, além de um fixo de cerca de R$ 400. Não é difícil fechar o mês com R$ 1.300, mais ou menos o que ganha um médico residente da rede pública de saúde ou pouco menos do que recebe um doutorando do CNPq ou da Capes (cerca de R$ 1.500).

Para o diretor do sindicato dos bancários, Carlos Augusto Aguiar, apesar da ampla expansão do setor, a grande maioria dos funcionários ainda é informal.

¿ Normalmente, em uma financeira, há dois contratados. Os demais são terceirizados, cooperados ou enquadrados como correspondentes bancários ¿ denuncia. ¿ Estamos reivindicando que estes funcionários sejam incorporados ao sindicato dos bancários e usufruam da mesma jornada de trabalho e nível salarial dos demais profissionais da área.