Título: Discurso otimista ao custo de R$ 73 bi
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, Economia & Negócios, p. A19

Comemoradas como vitórias pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a antecipação do pagamento de US$ 15,5 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e a eliminação da dívida em dólar podem ter sido um tiro no pé. Segundo cálculo de especialistas, o momento escolhido para as operações provocou um custo adicional para o país de cerca de R$ 73 bilhões. Somente ao zerar a dívida interna atrelada ao dólar ¿ em um momento em que o real vive a maior valorização desde a paridade cambial do governo Fernando Henrique Cardoso ¿ o Brasil deixou de economizar até 4% do Produto Interno Bruto, ou R$ 68 bilhões. Isso porque, ao optar pelo caminho da segurança na gestão da dívida, o país jogou pela janela a oportunidade de fazer como a maioria dos países do mundo: surfar na onda de baixa da moeda americana. E se manteve preso à dívida remunerada à taxa básica de juros ¿ que seguiu em alta ao longo de todo o ano passado.

Na última semana, o Banco Central anunciou a eliminação do passivo em moeda estrangeira. Em termos de previsibilidade, dizem os economistas, não há do que se queixar. Porém, quando se observa a conta, o prejuízo salta aos olhos.

¿ Neste momento, o governo poderia ter mantido a dívida atrelada ao câmbio e encolhido a participação do passivo ligado à taxa básica de juros (Selic) ¿ avalia o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Valle, que pondera: ¿ Quando o governo começou a diminuir a parcela ligada ao câmbio não se sabia que a moeda americana ia seguir em queda.

Não se sabia? Em junho de 2004, a parcela da dívida interna atrelada ao câmbio era de 23,7% do total e o dólar valia R$ 3,13. Passado um ano, a moeda americana havia perdido 21,5% do seu valor e a dívida cambial também havia recuado, para 10,8% do passivo. Mesmo depois de assistir a essa queda e, apesar da perspectiva de a moeda americana se manter enfraquecida frente ao real ¿ a estimativa da maioria dos analistas à época, segundo pesquisa Focus do BC de 3 de junho, era de que o dólar fecharia 2005 valendo R$ 2,60 ¿ manteve-se a estratégia de cortar a dívida em moeda estrangeira. Na virada do ano, apenas cerca de 1,6% do passivo do governo era atrelado ao dólar. E, embora até os exportadores mais ferozes soubessem que a moeda americana não reagiria, o passivo remunerado pela cotação do dólar foi eliminado este mês.

¿ Ao que parece, existe um viés político da equipe econômica, que pensa que toda dívida atrelada ao câmbio é ruim. Isso depende muito do momento ¿ avalia Valle.

Assim, o Brasil acabou perdendo a oportunidade de romper, o que ocorreria pela primeira vez em cinco anos, a barreira dos 50% na relação da dívida e Produto Interno Bruto (PIB) ¿ importante indicador de solvência de um país.

Segundo confirmou na última quinta-feira o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, o passivo do governo ¿ apesar do forte aperto fiscal, de 5% do PIB ¿ estacionou na marca de 51% de todas as riquezas produzidas no país, em um ano em que o governo estimava voltar à casa dos 40%. A última vez que isso ocorreu foi na gestão anterior ¿ em 2000 ¿ quando a dívida respondia por 48,8% do PIB.

Para o economista Fernando de Holanda Barbosa, secretário de política econômica no governo Itamar Franco e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), vale o certo pelo duvidoso.

¿ Para quem diz que seria mais barato manter a dívida cambial, lembro o que aconteceu em 1999. Durante a paridade, muitas pessoas financiaram automóveis e outros bens em parcelas corrigidas pelo dólar. Veio a desvalorização e todo mundo reclamou. Em um regime de câmbio flexível, há muita volatilidade e não é recomendável manter dívida em moeda estrangeira ¿ opina.

O sócio da Consultoria Tendências, Roberto Padovani, faz coro.

¿ Qualquer gestor de recursos diante do fortalecimento do real optaria pelo passivo em dólar. Mas do ponto de vista do financiamento do Estado, é preciso optar por uma saída menos vulnerável. Afinal, o câmbio é uma das variáveis econômicas mais difíceis de se prever ¿ avalia.

Vale lembrar que, apesar do fim da dívida cambial interna, o Brasil ainda tem um passivo lá fora de pouco mais de US$ 200 bilhões. Esta semana, o governo deverá anunciar a redução dessa parcela para o mais baixo nível registrado em décadas, mantendo a estratégia de redução do passivo em moeda estrangeira.