Título: As décadas perdidas da infra-estrutura
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, País, p. A2

Para se dimensionar o tamanho do buraco na infraestrutura, os números sobre esgotos tratados impressionam: seriam necessários R$ 10 bilhões em investimentos anuais para se conseguir, num período de 20 anos, ter 75% da população atendida, em condições ideais. Hoje, a grande maioria dos brasileiros ainda não dispõe desse serviço. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, para cada real investido em saneamento, há uma economia de R$ 4 em gastos com saúde. Quando se fala em estradas e habitação, os dados também assustam: de acordo com dados do Ministério dos Transportes, pelo menos metade dos 58 mil quilômetros de rodovias pavimentadas federais estão em situação precária. Na habitação, os últimos números conhecidos mostram 32 milhões de pessoas sem ter onde morar, o que significa um déficit de 7 milhões de moradias.

Ao analisar esses números, o presidente da Comissão Especial de Saneamento da Câmara, deputado Colbert Martins (PPS-BA) afirma que na raíz do problema está a prioridade concedida nos últimos anos, por vários governos, à política fiscal, deixando em segundo plano os gastos sociais.

- Vem sendo muito difícil liberar dinheiro para essa área vital, apesar das disparidades sociais em nosso país. A prioridade é fazer superávit.

O urbanista Luiz Cesar Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles (que reúne instituições especializadas) lembra que o atual governo conseguiu formar uma equipe de técnicos respeitáveis no Ministério da Cidade. Só que eles se viram às voltas com um problema central: como convencer o Ministério do Planejamento a liberar mais dinheiro para o setor.

- Depois, a situação ficou ainda mais delicada. A política de alianças fez com que o presidente Lula trocasse o ministro e colocasse pessoas ligadas ao ex-deputado Severino Cavalcanti. Isso representou um baque para a equipe que vinha elaborando projetos corretos. Restou um grupo de resistentes, mas os danos são inegáveis.

O especialista critica também a manutenção de práticas que contemplam medidas personalistas, como a valorização do sistema de emendas parlamentares, que transforma o político numa espécie de protetor de cada área ou região. Queiroz Ribeiro diz que essa política ''localista'' sacrifica as soluções integradas e técnicas que devem contemplar propostas modernas de planejamento urbano, como as parcerias entre os diversos níveis de governo, além do estímulo à formação de consórcios para o enfrentamento conjunto das deficiências regionais na infra-estrutura.

O deputado petista Zezeu Ribeiro, vice-presidente da Comissão de Saneamento da Câmara, admite que a troca de comando no ministério ''atrapalhou um pouco'' o andamento dos projetos, mas argumenta que os recursos ''aumentaram muito'' em relação aos governos anteriores: ''O que não se pode é querer reparar tudo do dia para a noite''.

Para o príncipe Dom João de Orleans e Bragança, merece destaque um outro aspecto da crise da urbana brasileira: o descumprimento generalizado da legislação sobre uso do solo, que destina obrigatoriamente uma parte dos loteamentos para uso social:

- Quando um vereador, por exemplo, patrocina o uso ilegal de uma área, em troca do apoio ao prefeito, está agindo de acordo com o espírito do mensalão - protesta.

Por isso, o príncipe simpatiza com medidas inibitórias, como as perceptíveis em frente a encostas de Ubatuba, onde foram afixadas placas avisando que, por ordem judicial, estão proibidas novas ocupações e construções.