Título: Casa própria e emprego: a miragem
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, País, p. A2

A história de um grupo de moradores da localidade de Areal, em Angra dos Reis, onde, em dezembro de 2002, um temporal destruiu barracos e provocou a morte de 42 pessoas, é um exemplo contundente de uma situação que se agrava a cada ano. Com a disparidade de renda - uma das maiores do planeta - agravada pela economia estagnada das últimas décadas e a ausência de uma política maciça de investimentos em habitação popular, os mais pobres, em quase todos os estados, passaram a morar em encostas perigosas, beira de rios, áreas de preservação e terrenos invadidos. O fim do Banco Nacional de Habitação, na década de 80, acelerou esse descompasso. Em Areal, as dimensões da tragédia, além de um monumento em memória aos mortos, à beira da Rio-Santos, obrigaram o governo federal, no tempo do presidente Fernando Henrique, a liberar uma verba de emergência para dar casa aos que perderam tudo. O prefeito de Angra, Fernando Jordão, conta que decidiu adicionar dinheiro do município para aumentar o tamanho das moradias. Todas têm dois quartos, um luxo para quem vivia dependurado em barrancos.

Os moradores estão agradecidos, mas confessam que jamais teriam condições de comprar a preços de mercado uma casa legalizada, por mais modesta que fosse.

- Se não tivesse recebido essa casa, ia morar num barraco de novo - relata o desempregado Josinaldo Ferreira.

A história de Josinaldo é padrão: veio de Campina Grande, na Paraíba, a chamado de parentes e teve que fazer um barraco na encosta instável, porque não conseguia mais pagar um aluguel de R$ 200. É um drama que se estende à quase totalidade dos sobreviventes de Areal, desempregados, mantendo-se com pequenos biscates e dependendo da ajuda de familiares e amigos: Neusa Rocha perdeu o emprego de caseira e conta com o auxílio das filhas. Elsa Chagas, ex-manicure, recebe cesta básica e uma contribuição eventual de conhecidos. José Henrique Bernardes, ajudante de pedreiro desempregado, se considera um ''felizardo'' por não ter constituído família.

- Se tivesse mulher e filho, como ia fazer?

Os moradores do Areal têm um consolo: habitam casas decentes. Foi necessário que sobrevivessem a uma tragédia para merecer esse direito fundamental.