Título: Remendos de um país provisório
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, País, p. A2

No jardim do solar ondo mora, em Paraty, o príncipe Dom João de Orleans e Bragança contempla a beleza do casario da vizinhança, e revela: agora, é obrigado a manter segurança permanente à noite, em razão do aumento da violência na cidade. Em Ubatuba, 70 quilômetros adiante, a dona de casa Nadir Correia se protege do sol inclemente sob a cobertura do ponto de ônibus e reclama da condução que às vezes demora quase duas horas para chegar. Em Caraguatatuba, a próxima cidade da estrada, a Rio-Santos sumiu ¿ tragada pelo avanço descontrolado e sem planejamento da área urbana ¿ e se transforma numa simples rua da área central. Em Angra dos Reis, no trecho fluminense, o ajudante de pedreiro Josinaldo Ferreira perdeu a casa e a mulher num desabamento que matou mais de 40 pessoas de uma favela. Sobreviver sem emprego é o drama do momento, comum na região. Nas curvas da estrada de Santos, que corta, teoricamente, uma das áreas mais desenvolvidas do país, as manchas escuras dos muitos buracos recém-tapados simbolizam situações encontradas em todos os estados. Pequenos remendos, como a construção de casas populares só em épocas de calamidade, não conseguem esconder o tamanho das crateras abertas na infra-estrutura do país.

A região percorrida pela reportagem do Jornal do Brasil é o retrato da falta de investimentos nas últimas décadas. Angra e Paraty, como a maioria das cidades brasileiras, incluindo algumas capitais, não têm esgotos tratados. Diante da ausência de uma política nacional de habitação, as favelas crescem a jato e imprensam os centros urbanos. Os cofres vazios da Secretaria Nacional de Segurança contribuem para transformar a violência num trauma que atinge municípios grandes, médios e pequenos, com a regionalização e a ampliação da área de atividades dos grupos criminosos. O PCC (Primeiro Comando da Capital) de São Paulo, por exemplo, já estendeu os tentáculos ao Sul Fluminense. A história recente de Fernandinho Beira-Mar, zanzando entre um e outro presídio, reflete o improviso das soluções sempre adiadas.

A Mata Atlântica, exuberante ao longo da Rio- Santos, nunca esteve tão ameaçada por desmatamentos ilegais, estimulados pela crônica carência de funcionários do IBAMA. Não muito diferente do que ocorre de Norte a Sul do país.

Quem nasceu e cresceu no Rio, em bairros marcados pela tranqüilidade e bucolismo, hoje vê a paisagem urbana e humana se deteriorar no descompasso entre o volume de problemas e a incapacidade das sucessivas administrações para resolvê-los. Quem passar pela Rio-Santos ¿ ainda um dos cenários mais bonitos do Brasil ¿ experimenta igual sensação.

Logo no trecho inicial, em Itaguaí, um choque: a pista cheia de remendos não comporta mais o volume do tráfego que provoca engarrafamentos de horas, sobretudo nos fins de semana. Ao longo de toda a rodovia, um problema já previsto na década de 70, quando a obra foi feita: barrancos desabados ou ameaçando desabar viram uma ameaça permanente. A natureza do terreno não favorecia o traçado da rodovia, mas o alerta dos técnicos, na época da construção, foi descartado no país onde ainda se acredita que ¿governar é abrir estradas¿. A conservação é artigo em falta.

A ausência de planejamento urbano, além do transporte insuficiente e imune aos controles, traz para a beira da pista biroscas, barracos, favelas, bairros inteiros. As autoridades deveriam fiscalizar essa deformações, proibindo, por exemplo, construções muito próximas, como manda a lei. Ou então construir variantes ou ou viadutos que passassem ao largo desses ajuntamentos. Como nada disso acontece, a Rio-Santos, em dezenas de trechos, é tomada por quebra-molas, mais um remendo para evitar que os carros andem em velocidade normal de estrada, pois os ¿perímetros urbanos¿ nascem com a mesma rapidez das favelas. É a bagunça institucionalizada.