Título: E nem precisa de votos para chegar lá
Autor: Sergio Duran
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, País, p. A5
Ao eleger um senador para representá-lo, o eleitor pode ser pego de surpresa e ver um ilustre desconhecido exercendo o mandato. O Senado abriga hoje oito parlamentares que não receberam um voto sequer nas urnas. É o equivalente a 10% do total de cadeiras da Casa. Diferente do que ocorre na Câmara, quando um deputado, ao deixar o cargo, é substituído pelo mais votado entre os suplentes, os políticos que disputam o Senado podem indicar duas vagas para a suplência. Os critérios variam. Alguns reservam vagas como recompensa para parentes. Há quem aguarde que o titular dispute outro cargo durante os oito anos de legislatura para assumir a cadeira. Existe, ainda, o financiador de campanha agraciado com o título de suplente de senador.
É o caso do senador Wellington Salgado (PMDB-MG), empresário na área de educação e financiador da campanha de Hélio Costa, atual ministro das Comunicações. Salgado nunca concorreu a cargo eletivo. Dia 19, divulgou na internet o fato de ter sentado no comando da Mesa Diretora por 20 minutos em uma sessão não deliberativa. Filho da mantenedora da universidade privada Universo, Marlene Salgado de Oliveira, Wellington disse que trabalhará este ano para indicá-la a vaga no Conselho Nacional de Educação:
- Até então nunca pedi nada enquanto estive como senador. Mas nada mais justo do que indicar minha mãe. E quem conhece sabe que ela merece - afirmou Salgado.
O segundo suplente de Costa é ex-funcionário de Salgado e ex-diretor dos Correios. Carlos Fioravante perdeu a vaga após denúncias de corrupção que derrubaram a diretoria da estatal.
O senador Valmir Amaral (PTB-DF) é outro empresário e financiador de campanha que virou senador. Ele tomou o lugar de Luiz Estevão, cassado em 2000 por suposto envolvimento no desvio de R$ 169 milhões do Fórum Trabalhista de São Paulo. Dono de empresa de ônibus, Amaral elaborou projetos como o que define o crime de transporte rodoviário irregular de passageiros e a proposta de proibição de catracas eletrônicas em ônibus urbanos.
O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) também assumiu o cargo sem votos. Sobre ele recaem suspeitas de enviar aproximadamente US$ 1 milhão ao exterior por intermédio de doleiros entre 1996 e 2002. As informações foram apuradas pela CPI do Banestado. Flexa Ribeiro assumiu o lugar de Duciomar Costa (PTB) eleito prefeito de Belém (PA).
Outros suplentes que viraram titulares foram Rodolpho Tourinho (PFL-BA), João Batista Motta (PSDB-ES) e Aelton Freitas (PL-MG). Os dois primeiros foram catapultados ao cargo depois que Paulo Souto (PFL) foi eleito governador da Bahia e Paulo Hartung (PMDB), do Espírito Santo. Freitas assumiu quando o então senador do PL José Alencar renunciou para concorrer na chapa do presidente Lula.
A relação de parentesco também traz à vida política filhos que ganham expressão graças aos pais. É o caso do suplente João Thomé Mestrinho, que ocupou o mandato de Gilberto Mestrinho (PMDB-AM), ano passado, afastado com pedido de licença médica.
Diferente da eleição proporcional para a Câmara, a eleição majoritária para o Senado pode produzir distorções. Essa é a avaliação do cientista político do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) Marcus Figueiredo.
- Geralmente a escolha do suplente é política, por acordos partidários. Mas existem casos como a indicação de filho, empresário de campanha. O sistema eleitoral dá margem para essas distorções - afirma o cientista político. Ele alerta que as formas de nomeação de suplentes não foram discutidas na reforma política.
Figueiredo lembra o caso do senador Saturnino Braga (PT-RJ), em 1998. Então filiado ao PSB, Saturnino fez acordo com o PDT em troca do apoio na disputa contra Moreira Franco. Uma vez eleito, Saturnino cumpriria apenas metade do mandato. O restante seria do suplente, Carlos Lupi (PDT-RJ). Saturnino venceu e não deixou a vaga, contestada na Justiça por Lupi, atual presidente do PDT.
- Um cargo eletivo não deve servir para moeda de troca política. A alternativa seria a volta da eleição para suplente, como acontecia entre 1945 e 1964. Ou, então, como na Câmara: sai um parlamentar por algum motivo, entra o que ficou com votação abaixo - prossegue Marcus Figueiredo.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) apresentou projeto, rejeitado nas comissões em 2005, ''para que não houvesse senador que não fosse eleito pelo povo''. Por enquanto, permanece mais atual que nunca a frase de Darcy Ribeiro: ''O Senado é melhor que o céu, e tem uma vantagem: a gente não precisa morrer para chegar lá''.