Título: Usina gera a guerra do Rio Uruguai
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, Internacional, p. A7

O que era um protesto ambiental acabou se tornando uma das maiores disputas diplomáticas da América do Sul dos últimos anos. A construção de duas fábricas de celulose na cidade fronteiriça uruguaia de Fray Bentos, levou Buenos Aires a recorrer ao Tribunal Penal Internacional de Haia, a maior instância jurídica para embates entre Estados. A decisão, motivada por denúncias de ambientalistas sobre a contaminação do rio Uruguai, é inédita no país, o que, para analistas, evidencia uma fragilidade institucional do Mercosul. O editor de política do jornal uruguaio El País, Daniel Isgleas, diz que a resposta da Casa Rosada surpreendeu o governo de Montevidéu:

¿ Não houve diálogo e, pelo visto, a Argentina passou por cima do Mercosul. Ficou claro que as instâncias do bloco não podem fazer nada em relação a este caso ¿ afirmou ao JB.

O jornal argentino Clarín, por sua vez, acusa, na edição de sexta-feira, o Uruguai de estar encenando ao exigir que a instalação da Botnia, fabricante finlandesa de papel, seja discutido no Mercosul. O diário afirma que nas últimas semanas o país ¿buscava um pasto mais verde oferecido por um tratado de livre comércio com os Estados Unidos¿.

No entanto, para Marcelo Coutinho, analista brasileiro do Observatório de Política Sul-americano (OPSA), o mal-estar diplomático evidencia a fragilidade do bloco regional:

¿ Se existissem instituições jurídicas no Mercosul, a Argentina não precisaria ir a Haia. Houve muita resistência, sobretudo dos governos argentino e brasileiro, em ceder na soberania para possibilitar a criação de instituições regionais, como é na União Européia ¿ avalia. ¿ O argumento é ecológico, mas contamina as relações bilaterais ¿ acrescenta o especialista, lembrando que as relações entre os dois países são conturbadas devido à postura hegemônica que Buenos Aires exerce sobre Montevidéu, sobretudo na região da fronteira.

O interesse uruguaio na construção das indústrias, no entanto, é justificado pelas cifras: US$ 1,5 bilhão.

¿ Esse é um dos maiores investimentos que o país recebeu recentemente ¿ explica Isgleas, ressaltando a oportunidade de geração de empregos. ¿ A maioria dos uruguaios apóia a construção, apesar das manifestações de ecologistas.

Segundo os ativistas, as usinas serão prejudiciais para as populações que fazem uso das águas do rio Uruguai e dos afluentes Prata e Paraná. A avaliação dos riscos, no entanto, será concluída amanhã por uma comissão bilateral.

Há dias, organizações como o Greenpeace e a Assembléia Cidadã Ambiental de Gualeguaychú bloqueiam estradas, impedindo a passagem de materiais para a construção das plantas industriais. Na sexta-feira, 11 caminhões foram barrados no caminho à cidade que será sede da empresa finlandesa Botnia, em Fray Bentos.

O episódio fez com que o ministro das Relações Exteriores uruguaio, Reinaldo Gargano, pedisse a intervenção do governo argentino para suspender os protestos. O chanceler afirmou que seu país está tratando a controvérsia ¿a baixos decibéis¿, desejando que o conflito não prejudique as relações entre os governos de Néstor Kirchner e Tabaré Vasquez, mas acusou o país vizinho de estabelecer uma ¿política grave de ameaça e terror acerca de temas ambientais¿.

O governo de Kirchner acusa o Uruguai de violar a Declaração Argentino-Uruguaia sobre os recursos fluviais, de 1971, e o Estatuto do Rio Uruguai, de 1975, que regulamentam as ações dos dois países nas águas da região. Montevidéu, por sua vez, alega que as fábricas serão construídas de acordo com as normas da União Européia, adotadas em 2001 e que estabeleceram medidas de segurança ambiental e punições mais severas para danos causados por essas empresas. A Botnia declarou que destinará 30% dos investimentos à proteção do meio ambiente.