Título: A eterna promessa de um país novo
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, Internacional, p. A8

Depois da posse do esquerdista Evo Morales na Bolívia, a atenção do continente se volta para as eleições presidenciais no Peru, onde os dois candidatos que se alternam na liderança mostram posições políticas tão distintas que espelham a própria divisão da sociedade. A direitista Lourdes Flores (Unidade Nacional) é a preferida do empresariado e da classe média, enquanto o nacionalista Ollanta Humala (Partido Nacionalista Peruano - PNP) concentra os votos da maioria da população pobre. Pelo eleitorado e o ideário nacionalista, há quem o compare a Morales.

- Assim como o boliviano, Humala fala bastante em estatizar os recursos. Outro ponto de semelhança é que ele quer rever todos os contratos com empresas estrangeiras se chegar no poder. Prega que as empresas nacionais tenham participação no capital das transnacionais, grande parte do lucro deve ficar no Peru - conta ao JB, de Lima, a editora de Política do jornal El Comércio, Diana Seminario.

Caso cumpra tudo o que promete em cima dos palanques, Humala pode se tornar um ponto de instabilidade envolvendo os vizinhos e países com os quais o Peru tem muitos negócios, como os Estados Unidos, advertem analistas.

- Há um alerta, porque seu discurso é beligerante com os EUA, devido à Alca, e com o Chile, por causa da briga do limite marítimo. Resta saber se, no caso de se tornar presidente, vai manter a posição radical - afirma Álvaro Vargas Llosa, cientista político e filho do famoso escritor e ex-candidato à presidência, Mario Vargas Llosa.

A quatro meses da eleição, o que Humala fará se eleito ainda é incógnita. O candidato evita delinear como vai colocar em marcha seu projeto nacionalista e de que modo fará a tão esperada - e prometida, há 15 anos - reforma do Estado, uma reestruturação da saúde, educação, previdência e impostos. Para o povo, estas mudanças são a única esperança de melhoria na qualidade de vida do país.

- Humala não tem um projeto de governo e não sabemos quando vai apresentá-lo. Por tudo que fala, é sim um possível fator de instabilidade na região. Mas sem ter escrito e registrado suas intenções publicamente, ficamos sem saber se ele não é um daqueles líderes sul-americanos que usam uma retórica radical para chegar ao poder e então assumem uma postura mais pragmática - pondera o cientista político Rolando Ames, da Universidade Católica do Peru, em Lima.

De fato, o partido reconhece em seu site que ''o ideário, o estatuto e o plano de governo do PNP , assim como outros pontos de referência, estão em redação. Uma vez terminados e sancionados serão publicados''. E completa: ''Obrigado por sua compreensão''.

Então, como pode um ex-general sem trajetória política e sem projeto de governo liderar pesquisas de intenção de voto, como vinha ocorrendo?

- Humala vende uma idéia de ''salvador da pátria'', de transformação do Peru da noite para o dia, que tem muito apelo entre o eleitorado mais pobre - afirma Pedro Mireles, cientista político e membro do Conselho de Consulta, da comunidade peruana, no consulado-geral no Rio de Janeiro. - Ao mesmo tempo, é ambíguo e não se compromete com as liberdades civis. Não sabemos o que esperar dele.

Apesar de a eleição estar polarizada entre Humala e uma candidata da direita liberal, o ex-general não representa a esquerda, apenas a corrente do nacionalismo, que é bastante forte no país. A esquerda tem três candidatos concorrendo à presidência, mas aparece pálida nas pesquisas desde a década de 90, após ter sofrido um processo de divisão do qual ainda não se recuperou. Alguns partidos caíram em desgraça ao apoiar o Sendero Luminoso; outros, foram perseguidos pela própria guerrilha, por não advogarem a ideologia maoísta.