Título: Destruição e morte em Jacarepaguá
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/02/2006, Rio, p. A13

Lama, entulho, pedras e um corpo. Em meio a este cenário, três famílias recolhiam ontem de suas casas o que o temporal de terça-feira não destruiu, na Rua Agostinho Gama, na Freguesia, em Jacarepaguá. A chuva fez uma encosta ceder e atingir três casas, além de deixar diversas alagadas. Em uma delas, a babá Valdenice Bezerra Tavares, 24 anos, morreu soterrada quando varria sozinha a água da varanda. Ao lado, um casal ferido, sua filha e neta foram resgatados por vizinhos do monte de terra formada em dois cômodos. A solidariedade também ajudou duas mulheres a retirarem da casa parcialmente destruída os poucos objetos que sobraram. Perto dali, o gerente da empresa de ônibus Litoral Rio, Adernan Cruz da Silva, 35 anos, salvou a mãe, mas morreu depois de sustentar por mais de meia hora parte do muro que desabou junto com um barranco sobre suas costas, na Rua São Jorge. Com a água na altura da cintura, sobreviventes da enchente uniam forças para um socorro mútuo em outras ruas do bairro, onde pelo menos nove imóveis ficaram inundados pelo transbordamento de um valão.

O mutirão na Frequesia aconteceu no escuro, varou a noite e terminou no fim da tarde de ontem. Segundo moradores, logo que começou a chuva, por volta das 16h30 de terça-feira, a energia acabou. Bombeiros interromperam as buscas ao cair da noite e voltaram no início da manhã. Até as 14h, entretanto, o corpo de Valdenice ainda permanecia na calçada.

- Tinha laje e pedra em cima dela. Cavamos por duas horas até encontrá-la - contou o concunhado Evandro Espírito Santo, 36 anos.

Incrédula, a irmã da babá, Eunice Bezerra Tavares, lamentava não ter se despedido. Diante das peças que conseguiram retirar da casa - um fogão, armário, dois pares de tênis e algumas roupas - ela ainda lembrava do sacrifício de Valdenice para comprá-las.

- Ela se mudou para essa casa há poucos meses com o marido. É muito triste tudo acabar assim - disse.

O atendente de padaria Danilo Bispo da Silva, 19 anos, respirava aliviado enquanto juntava em uma trouxa algumas roupas para passar o dia fora. Ele conseguiu, com um um grupo de vizinhos, salvar toda a família.

- Me ligaram para avisar que minha casa tinha desabado. Subi desesperado com os outros, enfrentando uma avalanche de coisas que desciam do morro, e encontrei meu pai na cama, só com o rosto de fora, e minha mãe com terra até a cintura, encostada na parede. Minha irmã conseguiu pegar minha prima de 6 anos no colo e ficou sentada com ela no sofá, coberta até a cintura - contou.

A doméstica Luzia Gonçalves da Silva, 57, e a filha Luciana, 33 ficaram surpresas com a notícia de que o quarto da casa onde moram há 25 anos tinha ido abaixo.

- Não estávamos em casa na hora. Graças aos amigos, que abriram as portas para a água escoar, o resto não ruiu. Vamos continuar limpando, mesmo sem saber o que estragou - dizia Luzia, com balde e mangueira nas mãos.

Conhecido no bairro pela boa vontade em situações semelhantes, Adernan morreu terça-feira socorrendo a mãe. Ele apressou-se em sair do trabalho não deixá-la sozinha e ajudá-la a limpar o ralo entupido durante o temporal.

- Os dois estavam abaixados quando o barranco desabou. Ele conseguiu empurrar a mãe e o muro ficou nas costas dele. Os bombeiros chegaram em 50 minutos, mas ele não resistiu - relatou o cunhado Marcos Fernando da Silva, acrescentando que Adernan construiu o muro para conter o barranco.

Na mesma rua, Marília de Souza Alves, 55 anos, chorava a perda dos eletrodomésticos com o marido, dois filhos e dois netos pequenos. Segundo ela, sempre que chove o valão que corre perto transborda.

- Com a construção da Linha Amarela, o rio ficou sem ter para onde escoar. Pedimos a limpeza do valão, para essas enchentes acabarem, e ninguém faz nada - reclama, informando que a água subiu pouco mais de um metro na parede de casa.