Título: Prêmio para a preguiça
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/02/2006, Opinião, p. A10

Quando os eleitores imaginam que já viram tudo em matéria de deboche, os políticos brasileiros mostram que não há limites nesse território. Coube ao presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), a tarefa de brindar o país com um novo exemplo de insensatez: incomodado com a Casa vazia durante a convocação extraordinária, Rebelo criou uma cota mínima de presença para cada partido às segundas e sextas-feiras. Em outras palavras, levando-se em conta o tamanho das bancadas das siglas, cada uma delas terá a obrigação de providenciar o comparecimento de determinado número de deputados. São 513. O presidente da Câmara deseja atrair pelo menos 60 no primeiro e no último dia de uma jornada semanal de cinco dias. Na tentativa de preservar a imagem da Casa que dirige, Aldo Rebelo produziu uma aberração. O Congresso já tem a semana de trabalho mais curta do mundo. Deputados e senadores dedicam-se à exaustiva jornada de terça a quinta-feira - às vezes menos. Têm três meses para o descanso (agora reduzido para 55 dias). Convocados para o trabalho extra, embolsaram dois salários extras e sumiram de Brasília. Outros transformaram os R$ 25 mil em dinheiro de campanha: consumiram a quantia em donativos a entidades localizadas em seus redutos eleitorais. A minoria honrou o mandato com a devolução da verba. Depois de protagonizar em 2005 um ano espantosamente abjeto - com saldo desalentador de projetos transformados em ganhos para o país - a Câmara nem se deu ao trabalho de fingir que tomaria juízo na antevéspera das eleições. Poderia ser enquadrada em dispositivos legais de furto e vadiagem.

No Brasil é assim: políticos trabalham pouco, ganham em dobro e estabelecem cotas mínimas de presentes. O resto pouco lhes importa. Os contribuintes pagam a conta. Pelos cálculos dos dirigentes da Câmara, caso vingue de fato a sugestão de Aldo Rebelo, o PT garantirá que dez dos seus 82 deputados renunciem ao repouso dos guerreiros para estarem em Brasília a partir das 14h das segundas-feiras e das 9h das sextas-feiras. O PMDB, a segunda maior bancada, com 80 deputados, compromete-se a assegurar a presença de nove parlamentares. O PFL, sete. O PSDB e o PP, seis. O PTB, cinco. E assim por diante. Sem corte de ponto para os faltosos. Sem suspensão do pagamento do salário extra conquistado. Com a obviedade dos espertos, todos os comandantes dos partidos prometeram colaborar.

Com os sucessivos exemplos de insensatez, convém insistir: o Brasil precisa podar o Congresso atual. Reduzi-lo será o melhor remédio para preservar a instituição e livrar o país da vergonha. O balanço desalentador de custos e benefícios dos parlamentares brasileiros sugere que o país não suporta mais o tamanho atual do Congresso. Não é exagero reconhecer a irrelevância de pelo menos um terço dos deputados e senadores. Os dispensáveis lixam-se para os embates entre governo e oposição. Serve apenas para barganhar cargos, votos, verbas e mordomias. No máximo, devolve as benesses com desprezo ao eleitor. Truques numéricos, no entanto, ainda têm estimulado alguns parlamentares a proporem a engorda na Casa. Um espanto para um Legislativo já obeso, disforme, perdulário e ineficaz. Péssima conjunção da qual a maioria dos brasileiros está farta.