Título: Para atender de graça, viagem de 70 km
Autor: Florença Mazza e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 28/01/2006, Rio, p. A12

Duas vezes na semana, o médico Luciel Benevides Pereira, 51 anos, especialista em ortopedia e traumatologia, percorre 70 quilômetros até Seropédica. A viagem é para atender de graça pacientes que poderiam esperar até 15 dias por uma consulta em uma unidade de saúde pública na região. No consultório, montado pela ONG Homega, o ortopedista conta que os pacientes são atendidos com dignidade. Muito diferente do atendimento feito nos hospitais dos governos municipal, estadual e federal, os doentes chegam com hora marcada, são recebidos por uma secretária em uma sala com ar-condicionado e água. - Surpresos, eles (os pacientes) me perguntam: ''Doutor, quanto é que vou pagar?''. Muitas vezes, gasto mais tempo explicando que a consulta é gratuita do que falando sobre o problema do paciente - empolga-se Luciel, que chega atender até 30 pessoas em cada turno no consultório da ONG.

Há 13 anos na profissão, o ortopedista ainda trabalha em um hospital público e numa clínica particular. O médico lamenta, no entanto, que com baixos salários, os profissionais da medicina estão a cada dia perdendo o respeito da população. Apesar das mazelas da rede de saúde pública, Luciel conta que sente-se bem com o trabalho filantrópico.

- Tenho a minha realização pessoal no consultório de Seropédica. Lá consigo atender o paciente com dignidade. Você estende a mão e as pessoas te amam - emociona-se o ortopedista que tem dois filhos, um deles, com 10 anos, também quer ser médico.

Luciel, que também já trabalhou por vários hospitais do interior do Rio e em outros estados, iniciou o voluntariado quando era acadêmico. Acostumado c om o trabalho na emergência de um hospital público, ele reconhece a carência da população que depende do sistema.

- Atender com dignidade quem não pode pagar uma consulta é fazer medicina - avalia Luciel.

Diante dos problemas da rede pública, o médico também lamenta pelo excesso de trabalho dos médicos no Rio.

- Muitos têm até cinco empregos - diz.