Título: Hamas consolida rumo político
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Fonte: Jornal do Brasil, 26/01/2006, Internacional, p. A6

Sob um forte esquema de segurança e um mar de bandeias amarelas (do Fatah) e verdes (do Hamas), mais de 1 milhão de palestinos foram às urnas ontem na primeira eleição legislativa em uma década. A história votação integra militantes palestinos à política e vai determinar o futuro da negociação de paz com Israel.

Uma pesquisa de boca-de-urna conduzida pela Universidade An Najah, na Cisjordânia, mostrou o movimento radical Hamas, debutante no pleito, conseguiu nada menos do que 34% dos votos e ficou em segundo lugar. Na liderança, aparece a lista da situação, Fatah, com 42% dos sufrágios. A pesquisa entrevistou 6.500 eleitores e tem uma margem de erro de cinco pontos percentuais.

Prevendo o sucesso do Hamas, o líder palestino Mahmoud Abbas tentou tranqüilizar a comunidade internacional dizendo estar pronto para retomar o diálogo de paz com Tel Aviv, mesmo se o grupo se incorporar a seu governo.

- Estamos prontos para negociar. Somos parceiros dos israelenses - afirmou.

Ainda assim, o triunfo do Hamas alarmou Israel e o Ocidente, mesmo com Abbas sustentando que trazer os radicais para dentro do sistema político vai domá-los. Logo, vai permitir que o processo de paz siga em frente. Mas o fato é que o chefe da lista parlamentar, Ismail Haniye, afirmou que o Hamas não tem intenção de baixar armas, como espera o presidente palestino. Outro proeminente candidato, Mahmoud Zahar, assegura que o grupo ''não vai mudar de direção'' em sua principal aspiração política: a destruição do Estado sionista.

Independentemente do resultado das urnas, Abbas, eleito há um ano, continua chefiando a Autoridade Nacional Palestina (ANP). Mas a votação de ontem vai mexer com o Gabinete, que muito provavelmente contará com um político ligado ao Hamas. Este é o problema para o presidente: Israel se recusa a negociar com o movimento até que se desarme.

- Esperamos que os palestinos não escolham de novo extremistas tragam de volta a tragédia e a tristeza para suas vidas - afirmou o primeiro-ministro interino, Ehud Olmert.

Os Estados Unidos também consideram o Hamas uma organização terrorista e até agora rechaçavam qualquer diálogo direto com seus representantes. No entanto, Washington sinalizou com um pouco de esperança para Abbas ontem. O porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, não afastou a hipótese de negociar com um governo palestinos que inclua ministros do Hamas.

A apuração começou ontem às 19h, assim que as zonas eleitorais fecharam. O primeiro resultado parcial, entretanto, é esperado apenas para as primeiras horas desta manhã no Oriente Médio. Dentre os 1,3 milhão de eleitores registrados para votar, 73% foram às urnas, um número um pouco menor que o último pleito parlamentar, em 1996, que teve comparecimento de 75%. Nos territórios, mais palestinos se interessaram em participar das eleições na Faixa de Gaza (78%), contra 70% na Cisjordânia.

- Foi um dia histórico e significante para o povo palestino - classificou o porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan.

Nenhuma irregularidade graves foi registrada durante a jornada pelos cerca de 20 mil observadores internacionais, liderados pelo ex-presidente dos EUA e Nobel da Paz, Jimmy Carter. O dia foi festivo para a maioria dos eleitores. Ativistas decoraram seus carros com as bandeiras das listas, à moda da tradição dos casamentos - o que pode ser entendido como um desejo de Fatah e Hamas se unam numa coalizão.

Poucos distúrbios ocorreram, apesar da preocupação inicial com a eclosão de violência. No campo de refugiados de Balata, na Cisjordânia, homens checaram seus rifles na porta de uma zona eleitoral, o que era proibido. O pior confronto aconteceu em Jerusalém, onde legisladores e radicais israelenses tentaram invadir uma seção eleitoral palestina, guardada por 75 policiais. Em Khan Younis, no Sul da Faixa de Gaza, a polícia teve que atirar para o alto para afastar uma multidão de eleitores impacientes para votar.

- Estas eleições vão determinar o destino do povo palestino - disse, emocionado, Mohamed Shaabein, um aposentado de 71 anos, em Beit Lahiya (Norte de Gaza).

- O pior já passou. A coisa mais importante agora é mudar - opinou o pedreiro Abu Hamam, de 35 anos, eleitor do Hamas.