Título: Sem medo das divergências
Autor: Samantha Lima, Mariana Carneiro e Dimalice Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 19/11/2004, Economia & Negócios, p. A-19

As pressões para a substituição de Carlos Lessa na presidência do BNDES começaram poucos meses após sua posse. Dono de uma língua ferina, a exemplo de Maria da Conceição Tavares, Lessa não economizou críticas à condução da política econômica ao longo dos quase dois anos em que esteve à frente do BNDES. O desafeto com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, foi o embate mais incisivo. Logo após a nomeação, os atritos entre Furlan - a quem Lessa em tese deveria se reportar - só aumentaram, mesmo com os pedidos públicos de Luiz Inácio Lula da Silva para acalmar os ânimos.

Tudo começou quando Lessa abriu fogo contra o amigo de Furlan e ex-presidente do BNDES Francisco Gros, sobre as reformas feitas na estrutura do banco. Além disso, eles divergiam sobre o foco da instituição, abrindo um rasgo entre a consolidação de grandes corporações - defendida por Furlan - e o apoio ao microcrédito e a pequenas e médias empresas. O segundo, desenvolvimentista, acabou ganhando destaque durante a gestão de Lessa no BNDES. A resposta seriam críticas do ministro, que chegou a classificar de lenta a liberação de recursos do banco. No dia seguinte, Lessa rebateu:

- A análise de um projeto de investimento não é como a compra de pão na padaria.

No setor bancário, Lessa também colecionou inimigos, a partir do financiamento direto de US$ 400 milhões feito à Petrobras. Na ocasião, o ex-presidente do BNDES anunciou o plano de eliminar a intermediação bancária para grandes empresas.

- Deixamos de pagar 2% a 4% a mais para que algum banqueiro corra o risco de atravessar a rua - afirmou, referindo-se à localização dos dois prédios, do BNDES e da Petrobras, um de frente para o outro, no Centro do Rio.

As rusgas com Antonio Palocci, na Fazenda, também não são novas. Começaram em 2003, quando o BNDES comprou parte das ações da Valepar (controladora da Vale do Rio Doce) e se estenderam às críticas ao Conselho Monetário Nacional. Primeiro, era o excesso de garantias que se exigia do banco e, posteriormente, a taxa de juros de longo prazo (TJLP) definida pelo grupo liderado por Palocci e Henrique Meirelles. Outro tema que levou Lessa às turras com rivais dentro do governo foi a defesa de juros diferenciados para empresas estrangeiras. A gota d'água, porém, foram as críticas à política monetária do BC, especialmente a alta dos juros. Professoral, Lessa sempre defendeu a divergência como forma de aprofundar o debate sobre as questões do país. Mas, neste embate, perdeu.