Título: ''Os paladinos da ética fracassaram''
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 06/02/2006, País, p. A3

Ao completar 20 anos, e embora ainda tão jovem, o Partido Verde carrega evidências de que amadureceu precocemente. A julgar pelos conceitos de um dos principais líderes, os militantes pelo menos se esforçam por mostrar a sensatez e realismo que parecem ter abandonado os caciques de siglas mais calejadas. Fundador e ex-presidente nacional, o secretário municipal de Urbanismo Alfredo Sirkis não se mostra açodado diante da chance de transformar o partido no desaguadouro natural dos desiludidos com o PT e a política do vale-tudo que envolve outros agremiações. Todos os que no passado recente tentaram se arvorar em paladinos da ética fracassaram ¿ adverte. O PV procura inovar em outra área crítica. Em vez de alianças predatórias, vem estabelecendo com alguns partidos ¿ em prefeituras ou governos estaduais ¿ parcerias em torno de projetos definidos, com acordos por escrito. Na visão do ex-líder estudantil exilado pela ditadura, o maior entrave para desenvolver uma vida partidária sadia é o atual legislação eleitoral, que estimula as siglas a arrebanhar dinheiro, candidatos e votos suficientes para obter o quociente necessário às cobiçadas vagas no Legislativo. Por isso os verdes preferem pagar o preço da pequenez numérica a dar guarida aos oportunistas que procuram se abrigar numa legenda considerada ¿simpática¿.

¿ Sem uma profunda reforma política, que contemple princípios e programas e não apenas projetos de poder, partidos como o Verde têm poucas chances de crescimento rápido ¿ pondera Sirkis.

- Apesar de jovem, o PV já passou por várias fases...

- De fato. No período inicial éramos um partido ideológico e de protesto que cuidava dos grandes temas ambientais e também dos comportamentais, como as questões do aborto e dos direitos dos homossexuais. E começamos bem próximos do PT, embora eles nos menosprezassem nas questões ligadas a comportamento. Achavam que era coisa de pequeno burguês. Quanto à ecologia, avaliavam que era tema para ser discutido depois de resolvidas questões maiores como a fome e o desemprego.

- A divergência rendeu...

- O Partido Verde mostrou ser mais avançado ao quebrar a suposta contradição entre a questão ambiental e social. Mostramos que as maiores vítimas dos desastres ecológicos são os mais pobres e que a preservação ambiental é geradora de empregos.

- A fase seguinte teria sido a vocação para o poder local?

- Esta é uma fase na qual, de certa forma, estamos até hoje. Descobrimos a nossa capacidade de pôr em prática elementos do programa verde no âmbito local. Não temos a vocação de ser um partido de massas, mas nos sentimos em condições de apresentar propostas concretas para problemas fundamentais da sociedade brasileira, como a segurança. O secretário de Segurança de Pernambuco, por exemplo, é do PV. No Espírito Santo também temos um trabalho interessante nessa área.

- E qual a proposta do PV para a segurança?

- O partido decidiu priorizar essa discussão que hoje é a questão mais importante para cidades como o Rio. Aliás, a esquerda sempre teve enorme dificuldade de lidar com o tema. Dizer que a crise é mero reflexo da carência social e do desemprego é como avestruz enterrando a cabeça na areia. O principal aspecto de nossa proposta é a criação de uma polícia com dedicação exclusiva. Um policial tem que exercer a função todos os dias. Não tem sentido trabalhar 24 horas e folgar 48 ou 72. Nenhuma polícia do mundo pode ser eficiente assim. Isso provoca uma descontinuidade do trabalho e um descomprometimento em relação à carreira. A profissão não pode virar bico.

- E os outros pontos da proposta?

- A dedicação exclusiva precisa ser necessariamente acompanhada de um salário digno. Além disso é preciso criar uma corregedoria independente e muito aparelhada para investigar a banda podre da polícia. É imprescindível também que os militares mais adestrados que derem baixa, como pára-quedistas e fuzileiros, sejam aproveitados na força de segurança criado pelo governo federal, evitando que, para fugir do desemprego, sejam cooptados pelo tráfico. A política de segurança em relação à bandidagem armada tem que ser dura. É intolerável o controle territorial que os bandidos exercem sobre favelas , vias expressas e bairros inteiros. É questão de segurança nacional.

- A preocupação em apresentar e executar propostas concretas não foram suficientes para fazer o partido deslanchar...

- Ao longo de nossa história experimentamos um grande sucesso e uma grande limitação. O sucesso é que nossas bandeiras ambientais transcenderam o PV e se tornaram aceitas pela maioria da sociedade, incluindo parcelas significativas dos empresários, da grande mídia e dos partidos. Tudo isso de maneira mais ou menos sincera. Quando o PV começou, a ecologia era sinônimo de obstáculo ao progresso. Hoje quase ninguém bate nessa tecla. A crescente difusão dessas idéias e práticas não correspondeu, no entanto, a um significativo desenvolvimento do partido como força política. Só temos 8 deputados federais, por exemplo.

- Qual o diagnóstico?

- Há uma incompatibilidade entre um partido programático e o sistema eleitoral brasileiro, no qual a força de representação depende da soma aritmética das candidaturas e a ação política é o somatório de ambições individuais dos aspirantes a se tornarem profissionais nessa área. O PV está sempre imerso nesse dilema de ser um grupo minúsculo de alguns ''puros'' ou de crescer absorvendo um contingente de políticos profissionais, que usam o partido apenas como uma escada para o poder.

- É quando entra em cena o partido ''simpático''...

- Várias vezes fui procurado por gente na rua dizendo que estava querendo se filiar a um partido para se candidatar a um cargo eletivo e que achava o PV ''simpático''. Essas pessoas, em geral, não têm qualquer afinidade real com o partido. Essa é a cultura dominante. Se você se rende a ela, fica igual aos outros. Se resiste, dependendo de como você age, acaba mantendo o partido inexpressivo, em termos de representatividade. Esta é uma tensão permanente. Já passamos por fases de ter de expurgar gente que conseguiu entrar no PV mas não se revelava afinado com nossas idéias e princípios. É como colocar a guilhotina para funcionar em nome da pureza.

- O PT é acusado de não ter se preocupado muito com essa ''pureza''. O PV não poderia entrar nesse vácuo?

- Nós tomamos muito cuidado para não cair na armadilha de que ''lavamos mais branco'' que os outros, que somos o único partido ético, honesto. Acho esse tipo de discurso pernicioso à política brasileira e uma armadilha mortal para quem o pratica. Todos os supostos paladinos da ética fracassaram. Há fartos exemplos. Não somos extraterrestres e há gente séria em boa parte dos outros partidos. Trabalhamos de maneira diferente. Criamos uma rede de pessoas com os mesmos propósitos para determinados objetivos. Se quisermos defender a Amazônia, por exemplo, podemos criar uma rede transpartidária.

- Então não existe um projeto de crescimento?

- Temos alguns problemas como a dificuldade da atrair as pessoas mais interessantes que atuam na área ambiental, ou seja os quadros com os quais o PV sonha. Essas pessoas, no entanto, não querem saber de partido político nenhum. Nós gostaríamos de ser um partido minoritário porém um pouco maior, mais amadurecido, atraindo para o partido quadros que fogem de outras legendas. Não temos visão hegemônica, o que nos diferencia dos partidos de esquerda clássicos. Raciocinamos em termos de influências, de alianças em torno de afinidades o que nos aproxima da realidade de uma sociedade pós-industrial como a nossa. Para o PV crescer substancialmente e estar à altura do que se propõe seriam necessárias mudanças como a adoção do voto proporcional por lista ou do voto distrital misto, o que favoreceria os partidos programáticos.

- A esquerda acusa os verdes de misturarem as cores, fazendo alianças com partidos conservadores...

- Quem gostava de tocar no assunto era o PT que se aliou ao partido de Maluf e ao da Igreja Universal. Um partido minoritário tem duas opções: uma delas é se tornar doutrinário, denunciando tudo e todos. O próprio partido é o único que se salva. Esta é a posição da extrema-esquerda clássica. A outra opção é fazer alianças programáticas com diferentes forças políticas, com as quais, muitas vezes, se tem sérias divergências, mas que deixam brechas onde podem ser aplicados pontos do nosso programa. Isso no poder local é mais fácil do que em nível nacional.

- A política ambiental do governo Lula agrada ao PT?

- O primeiro problema é que a política ambiental é executada de forma muito secundária no Ministério do Meio Ambiente. Marina Silva tem pouco poder no governo. As grandes decisões para o setor são tomadas na área econômica. Acho que a gestão de Zequinha Sarney no ministério foi mais operosa, mas Marina tem desempenhado as funções com dignidade e correção. Continua sendo uma aliada, amiga, companheira de luta. Não devemos aproveitar as dificuldades que enfrenta para toldar a sua imagem e colocar em embaraço os ambientalistas que restam no PT. Todos permanecem como nossos aliados importantes.

- As diretrizes para a sucessão presidencial já estão traçadas?

- Pelo que conheço do PV, teremos candidato próprio no primeiro turno. Deve ser o secretário Zequinha Sarney, um dos nossos líderes mais expressivos e o único que se dispõe a concorrer. De um lado, seria mais uma chance de difundir o programa do partido e de outro serviria uma forma de evitar uma definição difícil de ser aceita e apoiada por todos. Imagino que o ministro Gilberto Gil gostaria de apoiar o Lula. Mas como ficaria o Gabeira? No segundo turno, como já ocorreu outras vezes, o partido poderá aprovar apoio para um candidato mas os militantes que discordarem terão liberdade para manifestar suas preferências. Nesse caso, pessoalmente - e se a candidatura for confirmada - me inclinaria por José Serra, que acho um político bem preparado.

- Fala-se na sua candidatura ao Senado.....

- Só devo decidir sobre isso na última semana de março. Será um dilema dilacerante, pois adoro meu atual trabalho. Teríamos de fazer alianças com outros partidos para que a candidatura ficasse minimamente competitiva. Com 20 segundos de TV é complicado. Já houve contatos com o PPS e talvez haja conversas também com o PDT. De acordo com uma sondagem, sou o primeiro colocado entre os eleitores de nível universitário, que constituem os chamados formadores de opinião, o que é animador.