Título: O que querem os palestinos
Autor: Khalil Shikaki
Fonte: Jornal do Brasil, 06/02/2006, Internacional, p. A9

Ao contrário do que muitos poderiam esperar, uma pesquisa da Cisjordânia ressaltou recentemente mais posições moderadas do movimento palestino Hamas depois de sua vitória nas eleições legislativas do fim do mês passado. Ao conquistar a maioria dos assentos do Parlamento, o grupo produziu um choque no sistema político. Todos esperavam que o Hamas fosse bem, porém ninguém apostava que seria este sucesso. Mas driblando o pânico de que os palestinos estejam tomando um rumo mais extremista, uma boa olhada nos números da sondagem revela um quadro mais complexo. Um fato é que o Hamas recebeu 45% do voto popular. Pela natureza do sistema eleitoral local, que amplia a fragmentação existente na oposição à lista, o movimento islamista ficou com 58% das cadeiras. A divida Fatah e outros quatro partidos seculares conquistaram a maior parte dos eleitores ¿ 55% ¿, mas apenas 39% dos assentos. Uma boa quantidade de candidatos independentes se elegeu para as outras vagas.

O apoio do Hamas entre a população em geral é ainda menor do que os 45% de votos. Mas para ser justo, vem crescendo. Cinco anos de Intifada, que começou em setembro de 2000, projetaram a imagem do partido. Muitos palestinos concordam com os ataques a bomba do Hamas contra os israelenses, vários deles vêem o terror como a única resposta à altura ao desproporcional uso de força de Israel contra a população civil palestina, castigada coletivamente.

As não-satisfeitas expectativas que seguiram-se à eleição de Mahmoud Abbas como presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) no ano passado ¿ de governo melhor, prosperidade econômica e progresso no processo de paz ¿ aumentaram o apoio do Hamas para cerca de 40% em 2005. E a incontestável vitória no pleito de janeiro mostra que seus eleitores estavam muito mais determinados a votar do que aqueles do oficialismo da Fatah. Ainda: talvez vários seguidores da Fatah tenham resolvido votar em protesto contra a corrupção que corrói o partido.

No entanto, o aspecto mais interessante do crescimento do Hamas é que seus próprios eleitores, como as pesquisas mostram, não compartilham das visões que o grupo tem do processo de paz com Israel. Três quartos de todos os palestinos, incluindo mais de 60% de simpatizantes do Hamas, são favoráveis à reconciliação entre palestinos e israelenses, baseados na solução do conflito com a criação de Estados vizinhos. Nos últimos 10 anos, a tendência entre os palestinos foi de abandonar a ideologia linha-dura em prol de idéias moderadas. De fato, mais de 60% dos eleitores do Hamas querem um retorno imediato às negociações com Israel. Se a questão da paz tivesse sido a consideração mais importante das eleições, a Fatah teria vencido. Mas o processo foi a última coisa na qual pensaram os votantes.

E não, questões pão-com-manteiga também não foram centrais. Se tivessem sido, o voto dos palestinos mais uma vez não teria ido para o Hamas. O mais importante ponto que os eleitores avaliaram foi a corrupção na ANP, dominada pela Fatah, e a inabilidade do governo de garantir lei e ordem. A estas duas falhas, o Hamas deu uma clara alternativa: sua reputação de disciplina e incorruptabilidade.

Sabendo que pesquisas mostravam que mais de 85% dos palestinos acreditavam que a ANP é corrupta e que mais de 80% sentem-se inseguro em casa ou em seus bairros, o movimento brilhantemente levantou a importância destas questões em sua agenda política. O resultado é que quando os eleitores foram às urnas, quase dois terços deles consideravam corrupção e segurança como suas prioridades ao votar. Menos de 25% viam as questões econômicas como cruciais e apenas 15% tinham o processo de paz como prioridade máxima.

Ao mesmo tempo, o governo dos Estados Unidos fez pouco para ajudar a administração de Abbas a melhorar as condições financeiras dos palestinos ou restaurar a confiança pública na diplomacia. Washington apoiou integralmente a retirada unilateral de Israel da Faixa de Gaza, passo percebido por mais de 80% dos palestinos como uma vitória da resistência armada. O unilateralismo privou a Fatah de um de seus maiores bens, a habilidade de negociar com Israel por um acordo pelo fim da desocupação.

Esta foi uma vitória tática do Hamas, não estratégica. Os eleitores querem soluções políticas, não um Islã politizado. Sondagens feitas na última década demonstram um forte respaldo da democracia liberal entre os palestinos. Muitos consideram a democracia de Israel mais positiva do que qualquer outra do mundo, seguida da americana. De maneira similar, vários palestinos vêem a igualdade entre os sexos como uma das maiores conquistas dos EUA. Se o Hamas quiser solidificar seu apoio, seus líderes devem manter tudo isso em mente. (Newsweek)