Título: Os forasteiros da democracia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 06/02/2006, Internacional, p. A7
Candidatos à presidência com passado de abuso aos direitos humanos preocupam ativistas. Eleições são na terça-feira
PORTO PRÍNCIPE - O líder de uma sangrenta rebelião que derrubou o último presidente democraticamente eleito, um negociante de armas, um ex-chefe do Exército e um suspeito de assassinato ligado à ditadura de Duvalier estão entre os mais polêmicos candidatos à presidência do Haiti no pleito de terça-feira, dia 7. Campanhas como a de Guy Philippe - ex-comissário da polícia e quem liderou as milícias que derrubaram Jean-Bertrand Aristide do poder, há dois anos - preocupam ativistas de direitos humanos.
- Eles estão por aí, espalhando suas idéias e sabendo que não vão ser julgados - criticou Joanne Mariner, especialista em Haiti da ONG Human Rights Watch.
Por sorte, estimam os especialistas, nenhum destes candidatos tem chance de vencer. O ex-presidente Rene Preval (1996-2001) lidera confortavelmente as pesquisas de intenção de voto. Está 20 pontos percentuais à frente ao segundo colocado, Charles Baker. Dentre os candidatos que preocupam os defensores dos direitos humanos, Philippe é o que está mais bem posicionado nas sondagens, mas não chega a dois dígitos.
Em fevereiro de 2004, seus rebeldes mataram dezenas de pessoas em uma convulsão social que durou um mês e terminou com a renúncia de Aristide. Mas não foi a revolta que tornou Philippe, de 37 anos, conhecido dos observadores civis, e sim o tempo em que ele foi chefe da polícia de Delmas, um subúrbio de Porto Príncipe.
- Deste período temos relatos críveis de execuções sumárias de membros de gangues, por parte dos policiais - afirmou Joanne.
Na ocasião, Philippe estava ajudando abertamente Louis Jodel Chamblain, um ex-chefe de um esquadrão da morte. Em 2004, Chamblain retribuiu o ''favor'' ao lhe dar assistência na rebelião contra Aristide.
Chamblain foi por duas vezes indiciado por assassinato. Em uma delas, por ligação com um massacre de mendigos na favela de Raboteau, em 1994. As sentenças, no entanto, foram anuladas por tribunais haitianos logo depois da revolta de 2004, em processos que os ativistas consideram ''uma farsa''.
Franck Romain, autoridade do Exército quando François ''Papa Doc'' Duvalier e seus temidos paramilitares Tontons Macoute mandavam no Haiti, também concorre à presidência, embora sua campanha tenha atraído pouca atenção.
Ex-prefeito de Porto Príncipe, Romain é reconhecido como o autor do massacre de 11 de setembro de 1988 na Igreja de São João Bosco, onde Aristide, então um padre católico, estava pregando. Pelo menos 13 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas.
Durante o reinado de terror de Papa Doc, Romain também matou dois jovens na frente de um cemitério da capital e fez o vídeo do crime passar na televisão, lembra Patrick Elie, ex-ministro da Defesa e atual líder do grupo de direitos humanos Fundação Jean Dominique Echo.
Outros candidatos com passados longe do louvável são Dany Toussaint, dono de loja de armas e suspeito de ter matado o mais famoso jornalista haitiano, Jean Dominique; Hubert de Ronceray e Edouard Francisque, ministros no regime de Duvalier; e Himler Rebu, ex-chefe do Exército, líder da junta militar que derrubou Aristide pela primeira vez, em 1991.
O Exército de Rebu e os paramilitares foram culpados por milhares de assassinatos, assim como torturas e estupros, durante os três anos em que Aristide esteve no exílio.
Mesmo que estes polêmicos candidatos mal tenham chance de assumir o poder, suas candidaturas demonstram que as instituições haitianas ainda estão muito frágeis.
- É como se as autoridades estivessem perdoado ou esquecido o que estes homens fizeram. É como se eles nunca tivessem feito nada de errado - censurou Renan Hedouville, presidente do Comitê de Advogados pelos Direitos Humanos.