Título: Quantas gigogas fazem uma eleição
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 03/02/2006, Opinião, p. A11

Membro da Academia Brasileira de Letras

O Rio de Janeiro é um pouco chegado a chuvas escandalosas. Não estou ofendendo São Paulo, onde elas costumam encher túneis e transformar avenidas em canais, e às vezes passam mais lanchas que automóveis, porque os automóveis (sem nenhum exagero) estão parados e aquelas trafegando. Chuva no Nordeste pode inundar tudo, ninguém reclama e o bom é chegar em casa molhado. Uma vez, saltei em Fortaleza num vôo noturno e, como se cumprimenta naquela área, fui logo perguntando ao despachante: "está chovendo?", e ele me respondeu, falando sobre um chuvisco que fez correnteza nas sarjetas: "doutor, está chovendo tanto que está morrendo sapo afogado."

Conta-se que, quando terminou a Segunda Guerra Mundial e o general Montgomery voltava da África, coberto de glória, vencedor da batalha no deserto, foi recebido em Recife pelo governador Agamenon Magalhães. Depois da entrega de flores, saudações e vivas, foi entabulado um pé de conversa, que em breve caiu num daqueles silêncios que estarrecem os interlocutores. Foi aí que o governador de Pernambuco reabriu a charla: "General, como vai a chuva na África? Está chovendo bem?" O general não deve ter entendido nada, mas inglês é muito chegado a uma conversa sobre tempo.

Nordestino sempre fala sobre chuva. E, graças a Deus, porque quando não chove¿! Por causa de um desses anos sem chuva foi que eu nasci no Maranhão. Minha mãe saiu de Correntes em Pernambuco e meu avô do Ingá do Bacamarte, na Paraíba, na destinação desse povo de andarilhos, foram para os vales úmidos do Maranhão. E deram-se tão bem que o velho Assuéro dizia: "Oi lugar bom esse Maranhão. Se minha alma tiver vergonha não sai nunca dessa terra. Já tive até um neto que foi governador." (Eu.)

O Sul queixa-se de estar debaixo d'água. A média histórica do mês, que era de 253 milímetros, foi em janeiro de 348! E o calor, mesmo assim, bateu os 30 graus. E, para aumentar os problemas, as lagoas da Barra transbordaram e encheram as praias de gigogas, e já foram retiradas seiscentas toneladas delas. Essa planta é cheia de malandragem. Muda de nome em cada lugar do Brasil. Na Amazônia se você perguntar se tem gigogas vão dizer que não. É que lá se chama aguapé. No Maranhão é mururu, em Marajó orelha de veado e balcedo.

Mas no Rio trocou de nome e ficou toda pedante, de tal modo que não são todos os dicionários que a listam em seus verbetes. Acontece que no Leblon chegaram com ela duas cobras e a banhista turista francesa que estava em sua barraca, Carine Montaudon, ficou impressionada porque visitou a Amazônia e não viu cobra e foi encontrá-la na praia do Rio. "Eu não achei a cobra, ela é que me achou", disse, descontraída. Mas foi um veterinário que ali estava - cobra de sorte - que tranqüilizou a todos, era cobra d'água, não venenosa. E colocou a menor numa garrafa cheia para que ela não sofresse as feridas dos arranhões nas gigogas.

Na política não está chovendo tanto. Vivemos um tempo que em Goiás se chama veranico de janeiro. Mas as gigogas estão caminhando para chegarem nas águas de março. E aí então chegará o tempo dos candidatos darem as caras, libertarem-se dos cargos e vamos saber com quantas cobras se faz uma eleição.

O senador José Sarney (PMDB-AP) escreve às sextas-feiras