Título: Brasil, China e Índia
Autor: Paulo Nogueira Batista Jr
Fonte: Jornal do Brasil, 03/02/2006, Opinião, p. A11

Não é fácil encontrar assunto nesta época do ano. Boa parte do país já se prepara para o Carnaval e não acontece grande coisa. Ah, mas os leitores nos socorrem. Um deles me sugeriu o tema de hoje. Por ocasião da reunião do Fórum Econômico Mundial, realizada em Davos há poucos dias, China e Índia foram as estrelas. Para humilhação dos nossos jornalistas e empresários lá presentes, o Brasil foi basicamente ''esquecido''. Os jornais brasileiros registraram com destaque essa mácula para o orgulho nacional.

De fato, as taxas de crescimento econômico da China e da Índia, principalmente da primeira, têm sido extraordinárias, superando por larga margem o ritmo medíocre do Brasil. A China vem crescendo na faixa de 9% a 10% ao ano; a Índia, em torno de 6% a 8%. O Brasil registra, em geral, taxas de 2% a 3%.

A imprensa brasileira não se interessou, entretanto, em discutir as razões dessa diferença de desempenho econômico. Poucos brasileiros sabem, por exemplo, que a China e a Índia nunca seguiram a cartilha liberal ou ''neoliberal'', que tanto sucesso fez (e ainda faz) no Brasil e nos outros países latino-americanos. China e Índia não sofrem dessa praga típica da América Latina: as verdadeiras hordas de economistas e financistas adestrados no FMI e em universidades e instituições financeiras dos EUA que, a cada ano, aportam por aqui, sempre ansiosos para aplicar nos trópicos as lições aprendidas em Washington, Wall Street e outros centros. A cartilha liberal, aplicada com afinco, principalmente nos anos 90, produziu fragilidade financeira, endividamento e dependência externas.

A China e a Índia não foram por esse caminho. As taxas de juro nesses países são geralmente modestas. Vigora a preocupação de manter taxas de câmbio competitivas, favoráveis às exportações e à substituição de importações. Em outras palavras, o que vemos nesses países é o oposto da combinação juros altos/câmbio valorizado tão comum no Brasil.

Outra característica marcante das políticas macroeconômicas chinesas e indianas: a preocupação permanente com a solidez das contas externas. Apesar das elevadas taxas de crescimento doméstico e seu impacto em termos de aumento da demanda por importações, a China e a Índia têm registrado pequenos déficits e até superávits no balanço de pagamentos em transações correntes. Além da já mencionada preocupação com a manutenção de taxas cambiais competitivas, os dois países têm moedas não-conversíveis, restrições aos movimentos de capital e reservas internacionais elevadas.

Como observou o economista norte-americano Joseph Stiglitz, ''não é nenhum acidente que os dois países em desenvolvimento de grande porte que escaparam aos estragos provocados pela crise econômica global - Índia e China - ambos tinham controles de capital''. Stiglitz está se referindo nessa passagem às crises do final dos anos 90. A assim chamada crise da Ásia de 1997-98, apesar da sua denominação, teve efeitos mínimos sobre a China e a Índia, os dois maiores países do continente, e não interrompeu, em nenhum momento, a sua trajetória de crescimento econômico acelerado.

A nossa desgraça nos últimos 20 ou 25 anos tem sido a predominância das elites imitativas sobre as elites criativas. Nem sempre foi assim. O Brasil, afinal, é o país que produziu Celso Furtado, Gilberto Freyre, Euclides da Cunha, Oscar Niemeyer, Machado de Assis, entre muitos outros gênios criativos. Na economia, lamentavelmente, a nossa contribuição tem sido pobre e figuras como Celso Furtado foram raras. Em matéria de ensino da economia e prática da política econômica, predominam os profissionais que reproduzem passivamente os padrões importados dos países desenvolvidos, sobretudo dos EUA.

A China e a Índia, talvez por serem produto de civilizações milenares, encaram a sabedoria econômica norte-americana com saudável ceticismo e não se deixam seduzir pelos modismos econômico-financeiros produzidos no eixo Wall Street-Washington para consumo na periferia.

Paulo Nogueira Batista Jr. (pnbjr@attglobal.net) é professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e autor do livro O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional (Campus/Elsevier, 2005). Escreve às sextas-feiras, a cada 15 dias.