Título: O caso Jobim
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 03/02/2006, Opinião, p. A10

Baseadas em argumentos pertinentes, as últimas decisões tomadas pelo ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, incomodaram o Poder Legislativo e mobilizaram multidões de brasileiros inconformados com seus desdobramentos. Jobim está sob suspeita de valer-se da toga para cuidar dos próprios interesses políticos. Virou um caso. O novelo tornou-se mais complicado com o mal-estar instalado no Congresso e a interpelação judicial assinada pelo advogado Ivan Nunes Ferreira em nome de uma lista de 36 personalidades - dentre as quais o arcebispo de Mariana, dom Luciano Mendes de Almeida, e o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo. O texto solicita de Jobim um esclarecimento inadiável: é ou não pré-candidato a algum cargo político nas próximas eleições? Sobre o presidente do STF paira a suspeita de que as sucessivas negativas a pedidos da CPI dos Bingos foram inspiradas em aspirações políticas.

Duas decisões recentes provocaram sensação de alívio no Palácio do Planalto. Primeiro, Jobim impediu que a CPI quebrasse os sigilos bancário, fiscal e telefônico do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, amigo do presidente da República desde o tempo em que Lula dirigia o Sindicato dos Metalúrgicos, nos anos 70, e tesoureiro da primeira campanha do atual chefe de governo, em 1989. Depois, o ministro rejeitou pedido semelhante, desta vez sobre os sigilos do empresário Roberto Carlos Kurzweil, que alugou dois automóveis para o PT durante a campanha eleitoral de 2002. (Nos carros, ex-assessores do ministro Antonio Palocci teriam levado três caixas de uísque com dólares de Cuba para a campanha petista).

''Não aceito patrulhamentos'', proclamou o presidente do STF. Jobim já imaginara haver no país uma ''síndrome de conspiração''. É dispensável reconhecer a consistência dos argumentos de Nelson Jobim. No despacho favorável a Okamotto (que revelara à CPI ter pago, em 2004, uma dívida de quase R$ 30 mil de Lula com o PT), afirmou que o pedido ''sequer indica um fato concreto que delimite o período de abrangência dessa medida''. Foi um erro da CPI, admitido pelo próprio presidente da comissão.

Sobre a liminar concedida a Kurzwell, Jobim argumentou que a CPI não enviou ao tribunal as informações pedidas em dois ofícios enviados ao Congresso pela ministra Ellen Gracie. Quebra de sigilo, sublinhe-se, configura uma medida extrema e deve ser admitida em situações excepcionais. É compreensível que um cidadão recorra ao Supremo, para preservar as garantias constitucionais. Nesses casos, contudo, a medida é fundamental para que a CPI ilumine as zonas de sombra que obscurecem a versão costurada pelos envolvidos.

Feitas as ressalvas, convém registrar que as decisões de Jobim no Supremo, antes e depois de sua gestão à frente do Tribunal, são habitualmente favoráveis ao Palácio do Planalto - em nome do que ele qualifica de ''governabilidade democrática''. Por essa razão, dúvidas sobre a isenção do ministro não são novas. Envolvem tanto votos favoráveis ao governo Fernando Henrique quanto as recentes liminares concedidas a Okamotto e Kurzwell, sem contar a ostensiva solidariedade ao ex-deputado José Dirceu.

Embora ruidosamente quietos, colegas de toga discordam de algumas decisões de Jobim - fato obviamente comum no Judiciário. Em contrapartida, outros ministros poderiam subscrever seus argumentos. O problema, portanto, é de outra natureza: será o presidente do Supremo candidato? Tal dúvida, fortalecida pelo aviso de que deixará o Tribunal a tempo de concorrer, foi ampliada no discurso de abertura do Ano Judiciário. A defesa da instituição e das próprias decisões conduziu a um pronunciamento de candidato. Jobim chegou a comparar as investigações de um Legislativo democraticamente eleito com aquelas conduzidas sob o arbítrio do regime militar.

O orador pode alimentar os desejos públicos e privados que quiser. Enquanto estiver no Supremo, porém, não deve acumular posto de magistrado com a vontade de escalar palanques. Seja qual for a alquimia utilizada, restará a desconfiança de que o ministro está favorecendo possíveis parceiros políticos. A hipótese da crise institucional é um exagero. Mas o Brasil não aceita um Judiciário perigosamente politizado. O princípio vale para Jobim e para qualquer outro que o substitua quando abandonar a toga.