Título: Sombra de guerra civil
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 28/01/2006, Internacional, p. A6

Um dia depois da surpreendente vitória do Hamas nas eleições palestinas, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia viveram um dia de violência entre os próprios militantes da Fatah, que, ao perder o pleito, deixa de ser situação após mais de 15 anos. Em uma amostra de como a segurança está volátil na região, os integrantes da facção política ameaçaram atacar sua própria liderança, responsabilizada pela derrota.

Cerca de 20 mil seguidores da Fatah tomaram Gaza, queimando carros em frente da sede do Parlamento e fazendo disparos para o alto. Alguns cartazes do Hamas foram arrancados pela multidão, que também queimou pneus nas ruas. Enquanto isso, as Brigadas dos Mártires de Al Aqsa, braço armado do grupo, divulgavam uma nota na qual prometem ''liquidar'' qualquer liderança da lista, caso decida participar de um governo do Hamas.

Outra manifestação aconteceu na frente da casa presidente de Autoridade Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, para exigir sua demissão. Na quinta-feira, o premier Ahmed Qorei colocou seu cargo e todo o Gabinete à disposição.

- O Fatah perdeu por causa do seu Comitê Central - acusava um manifestante, com um alto-falante.

- Isso nunca teria acontecido com Yasser Arafat no comando - gritou outro militante, Abu Khaled.

Carros foram destruídos pelas ruas de Ramala, incluindo três pertencentes ao governo.

- Passei 12 anos numa prisão israelense. Se soubesse que o Hamas entraria um dia no Parlamento, eu mesmo teria me explodido dentro do prédio, no meio deles - disse um oficial das forças de segurança, em frente à Casa.

Por toda parte, ouvia-se uma canção cujo refrão era: ''Não queremos que o Hamas se junte ao governo''.

O líder da Fatah, Mohammad Dahlan, assegurou à multidão que isso não vai acontecer. E pediu calma, apelando à memória daquele que é reconhecido como o máximo líder palestino, uma personalidade que aglutinava os anseios do povo:

- Não ofendam a imagem de Arafat com essa violência.

Também houve confronto entre membros do Hamas e da Fatah, perto de Khan Younis (Sul da Faixa de Gaza). Três pessoas ficaram feridas. De acordo com testemunhas, o incidente foi provocado por militantes do Hamas durante o sermão de um clérigo muçulmano apontado pela Fatah.

Na mesma área aconteceu um embate entre os radicais palestinos e a polícia. Outras três pessoas saíram feridas.

A violência explodiu depois que o líder do Hamas, Ismail Haniya, revelou que Abbas concordou em se reunir em breve com a lista rival, para começar a consulta de uma ''parceria política'' e a formação do futuro governo.

Ontem, Haniya fez seu primeiro grande discurso depois da eleição, em uma mesquita na Faixa de Gaza.

- Quando chamamos à unidade e parceria não é porque estamos com medo, somos fracos ou incapazes de enfrentar os desafios à frente, mas porque acreditamos na união - justificou.

Com a maioria de 76 dos 132 assentos do Parlamento, o Hamas não precisa fazer uma coalizão com a Fatah, que obteve 43 cadeiras. Mas a ''parceria'' é apontada como mais do que necessária para a relação do futuro governo palestino com o mundo. União Européia e Estados Unidos, dois dos principais financiadores da ANP, vêem o grupo como uma organização terrorista e ameaçam cortar a ajuda financeira à administração. E o próprio povo teme pelo corte do auxílio, o que seria um começo de governo ainda mais instável para os radicais.