Título: A direita tem vergonha de si mesma
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 31/01/2006, Outras Opiniões, p. A15

Episódio ocorrido durante o depoimento do ministro Palocci na CPI dos Bingos explicitou uma mancha constantemente ocultada na realidade política brasileira. Por que a direita parlamentar se recusa a ser tratada como tal, e até se ofende com a referência? Sentimento de culpa pelo uso desavergonhado do Estado, que tanto despreza, mas que considera útil e eficaz quando para proveito próprio? Consciência do papel predador e pouco digno das classes dominantes brasileiras, a quem representam no Congresso; classes historicamente incapazes de gerar um projeto de Nação independente e soberano? A senadora Heloisa Helena, do P-Sol, chamava a atenção para o tratamento vip que boa parte da oposição de direita - por absoluta identidade programática - dedicava ao ministro, independente de não estar ele respondendo de forma objetiva a nenhuma das questões postas. Foi o bastante para o senador Antonio Carlos Magalhães, sem ser citado, iniciar sua intervenção com um protesto. Não aceitava que o apoio ao ministro fosse um indício de posição ideológica direitista. O ministro era bem tratado pela oposição tucano-pefelista porque sua política era boa para o Brasil. Mas, boa para quem, senador?

Se defender refinanciamentos para cacaueiros inadimplentes no contraponto do bom tratamento na CPI virou posição de centro, o que é ser de direita? Afinal, o partido do senador baiano, conhecido pela trajetória vinculada aos momentos mais dramaticamente conservadores e reacionários de nosso passado recente, participa das entidades internacionais que se afirmam de ''direita democrática'' no espectro político internacional.

O RPR francês, a CDU alemã, o PP espanhol e os tories ingleses se definem assim. Sem traumas. Só o PFL brasileiro, povoado pelos ACMs, Bornhausens e companhia, não seria de direita? Francamente...

O trágico, neste cenário. é a constatação de que a divergência da direita brasileira com o governo Lula não é programática. É isso que ficou evidente no roteiro destacado por Heloisa Helena. O que separa, tanto tucanos quanto pefelistas, dos neolulistas, é tão-somente a ambição pelo controle dos cargos e da chave do cofre da máquina do Estado.

Por isso, em camarote privilegiado, batendo palmas para os limites dessa confrontação, estão os grandes banqueiros, os especuladores do famigerado mercado, os grandes magnatas do agronegócio, com lucros garantidos pela anistia certa dos calotes nos financiamentos públicos. Não têm o que perder nessa falsa dicotomia entre os atuais ocupantes da Esplanada dos Ministérios e os que lhes disputam os tapetes, no mesmo campo ideológico. Sabem quem é de direita e quem é de esquerda na arena parlamentar, e têm clareza sobre quem são seus representantes. Sabem que nada muda de essencial numa sucessão garantida pela disputa limitada a Lula x Serra, ou Alckmin, com que tentam priorizar as manchetes dos grandes meios de comunicação. Sabem que, com qualquer desses nomes, não há hipótese, por exemplo, de o Imposto sobre Operações Financeiras superar os 2% do total ora recolhido pela Receita. Sabem que aí está a direita política que os protege e garante.

O que eles temem é a esquerda. Que é o antagônico social da direita. Que, no essencial, é ser do trabalho, contra o capital. E que, no conjuntural, é não aceitar a prevalência do modelo macroeconômico conduzido por Henrique Meirelles, com Palocci de porta-voz, que transformou o presidente da República num garoto-propaganda dos exportadores brasileiros. E achando que assim se afirma um estadista no plano internacional...

É a esquerda quem os molesta, quando repele a forma mentirosa com que se pretende vender melhoria de distribuição de renda e criação de empregos, nos termos em que, semana passada, os grandes meios de comunicação distorceram o noticiário sobre a última pesquisa do IBGE. Somente o JB teve a honestidade de mostrar que não houve redução do desemprego. O que caiu foi o número dos que procuram trabalho. Ou seja; se de dez desempregados, oito desistiram de procurar emprego, isto não quer dizer que o desemprego reduziu-se de 10 para 2%. Mas, sim, que o desencanto definitivo subiu de zero a oito. Quem é de esquerda, denuncia. Quem é de direita, festeja.