Título: A conta dos juros altos
Autor: Mariana Carneiro e Lorenna Rodrigues
Fonte: Jornal do Brasil, 31/01/2006, Economia & Negócios, p. A17

No ano em que o governo produziu o maior aperto fiscal da década, a receita de juros nas alturas para conter a inflação jogou por terra o esforço e a participação da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) ¿ o principal indicador da evolução das contas de um país ¿ praticamente não saiu do lugar em 2005, estacionando em 51,6%. No ano passado, o superávit primário atingiu 4,84% do PIB, cerca de R$ 10 bilhões acima da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,25%. Mas os gastos com juros, de R$ 157,14 bilhões, consumiram a economia de todo o setor público ¿ governo federal, estados, municípios e estatais. E ainda faltaram R$ 63,6 bilhões (3,3% da riqueza nacional). No ano passado, segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central, a dívida líquida do setor público rompeu a barreira do R$ 1 trilhão.

¿ O superávit primário positivo foi mais do que neutralizado pelos efeitos da política monetária e do baixo crescimento da economia ¿ resume o estrategista da ARX Capital, Sérgio Goldenstein, ex-chefe de operações de mercado aberto do BC.

Em 2004, o governo conseguiu cortar a dívida pública ¿ que era de 57,18% do PIB ¿ para 51,7%. A estratégia de se produzir novo esforço fiscal este ano era manter em queda essa relação, o que não foi obtido no ano passado.

¿ A carga de juros cresceu com o aumento da taxa básica de juros, o que já era de se esperar. O que é importante é que esse resultado primário superavitário propiciou a estabilidade da dívida, que é o que se quer quando se administra contas fiscais ¿ defendeu-se Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do BC.

Mas além de esforço, a inércia do governo na liberação de recursos contaram para inflar o resultado primário. No fim do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exortou os ministros a gastarem mais. As despesas de fato aumentaram em dezembro, como de costume, e o governo federal produziu um déficit de R$ 4,4 bilhões, ainda assim acima do objetivo.

Para o economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é de se registrar ainda o esforço que veio das estatais, sobretudo das federais na composição do resultado, como a Petrobras.

Somente as estatais fizeram uma economia de R$ 16,4 bilhões. Os governos regionais somaram R$ 21,3 bilhões (o maior desde 1991), e ficaram dentro da meta estipulada (1,1% do PIB). O restante, R$ 55,7 bilhões, ficou a cargo do governo federal, BC e Previdência Social.

Para 2006, o BC prevê que a relação dívida/PIB caia para 50,3% e déficit nominal volte à casa dos 2%, aos 2,7% do PIB.