Título: Vai que é tua, Duda Mendonça
Autor: Augusto Nunes
Fonte: Jornal do Brasil, 07/02/2006, País, p. A2

O marqueteiro Duda Mendonça preparou com minúcia e requinte a performance do depoente Duda Mendonça na CPI dos Correios. No começo de agosto do ano passado, ele foi içado do grande pântano pelo puçá reservado aos donos de contas bancárias suspeitas. Ao sentir na nuca o bafo dos investigadores, planejou o contragolpe. Faria no Congresso uma única exibição, voluntária e espetaculosa. O desempenho teria de incluir passes de trivela, lançamentos com três dedos, pedaladas, bicicleta, o diabo. Encerrado o espetáculo, era só correr para o abraço (e, depois, para o mar da Bahia). Duda esqueceu a lição de Garrincha: não combinou com os adversários o que pretendia fazer.

Em 12 de agosto de 2005, o marqueteiro do rei irrompeu sem aviso prévio na sala da CPI. Chegou acompanhado por Zilmar Fernandes, sócia nos negócios e parceira de tabelinhas. Durante quase oito horas, seguiu aplicadamente a estratégia concebida. Também recorreu a truques visuais e pausas dramáticas.

Os cabelos ralos informavam que pentes não passavam por ali havia tempos. A camisa de mangas curtas sugeria simplicidade, desapego, coisa de gente como a gente. Chorou lágrimas de esguicho, feito ator de novela mexicana. No fim, petistas estavam em prantos e oposicionistas saudavam, comovidos, o patriotismo do cidadão Luiz Eduardo Cavalcanti de Mendonça. Ele seria herói por algumas horas.

Contou à CPI que recebera do vigarista Marcos Valério o ultimato: ou abria uma conta no exterior ou não veria um só tostão do PT. O tamanho do débito dispensou-o de noites insones. "Resolvi concordar porque era a única maneira de conseguir a quantia estabelecida em contrato", explicou. A conta homiziada em Miami, sob a guarda do BankBoston, tem o nome de Dusseldorf. (Faz sentido: lembra vampiro). O depoente jurou que, antes e depois desse crime, jamais cometera pecados do gênero. Nunca tivera dinheiro em outros países. Jamais movimentara contas dolarizadas, nem se atrevera a burlar o Fisco.

Detalhes perturbadores molharam a descrição da lavanderia internacional de dinheiro montada por vestais decaídas do PT e vigaristas aliados do governo. A Dusseldorf era uma conta-ônibus, utilizada por vários passageiros para a consumação de bandalheiras. Deixou a sala da CPI com cara de coroinha. Parecia convencido de que estava abandonando o palco. Errou. Vivera apenas o prólogo do drama.

Ainda no meio da performance, integrantes da CPI perceberam que Duda estava tentando driblá-los com o velho truque: contar apenas uma parte da história, e cuidadosamente retocada. Nas semanas seguintes, comprovou-se que Duda tem um cacho de contas no exterior. Reportagens recentes da revista Veja comprovaram que ele se tornou um craque no ramo do enriquecimento em dólares. Sempre ouvido com atenção por caçadores de votos, Duda merece ser ouvido com atenção redobrada por caçadores de malandragens.

O publicitário milagreiro conviveu anos a fio com o candidato a tudo Paulo Maluf. Pelo visto, ambos assinaram um acordo de reciprocidade muito proveitoso. Graças ao craque em ilusionismo eleitoral, Maluf aprendeu a não empinar o queixo, demitiu os óculos de aros truculentos, ficou menos pedante. Graças ao homem que tudo fez em São Paulo, Duda aprendeu a lucrar em dólares nos paraísos fiscais.

Inquieto com a teimosia da CPI em interrogá-lo novamente, Duda mandou o recado circular a antigos parceiros: se tentarem puni-lo, vai revelar o que sabe. É uma boa notícia para o Brasil decente.

Vai que é tua, Duda. Conta tudo.