Título: Bondades de campanha
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 09/02/2006, Opinião, p. A6

O pacote de incentivos para a habitação, anunciado esta semana pelo Palácio do Planalto, é inegavelmente positivo. Trata-se de uma boa notícia para a construção civil, setor que responde por considerável parcela dos investimentos e da produção industrial e tem alto poder de geração de empregos. O pacote inclui alívio tributário e novos investimentos. A desoneração de impostos atingiu uma galeria considerável de produtos. Treze deles tiveram o Imposto sobre Produtos Industrializados reduzido de 5% para 0%, e outros 21, sobre os quais incidem alíquotas entre 10% e 15%, passaram a pagar 5%. O Planalto anunciou ainda um formidável aumento de recursos para financiamento da construção de imóveis e de obras de saneamento: serão R$ 18,7 bilhões. Os empresários esperam uma expansão de 5% do setor se o país crescer 3,3% - índice plenamente alcançável este ano. Não é pouca coisa. E, embora o pacote seja ineficaz para derrubar o espantoso déficit habitacional de 6 milhões de moradias, constitui um bálsamo para as populações de baixa renda.

Apesar da boa notícia, foi embaraçoso assistir à maneira como o governo anunciou o pacote. As evidências do esforço oficial tornaram explícitas as intenções eleitorais até então parcialmente escondidas no Palácio do Planalto. E mostraram como o presidente Lula dispõe de incontáveis instrumentos para consolidar e ampliar a recuperação de sua imagem, em especial junto às faixas da população mais sensíveis ao discurso e às ações do governo: os mais pobres. Com as últimas pesquisas revelando a reabilitação da musculatura eleitoral do presidente, parece claro que o Planalto está disposto a assegurar a fidelidade desse eleitorado e a trabalhar para que não se disperse até 1º de outubro.

Esse tipo de estratégia faz parte do jogo. A euforia eleitoral demonstrada nas últimas semanas, no entanto, beira os limites da inconveniência. O anúncio do pacote foi um exemplo especialmente constrangedor: no auditório do Palácio do Planalto, no local reservado a autoridades, uma claque se levantou antes da fala presidencial e gritou: ''Lula de novo, moradia para o povo.'' Em outras palavras: um evento oficial, realizado num prédio oficial, serviu de palco para a campanha à reeleição do presidente. No Brasil é assim.

Não é demais insistir que, embora se prepare para a terceira disputa presidencial sob a vigência do instituto da reeleição, o Brasil ainda segue caminhos tortuosos neste terreno. Há interpretações imprecisas sobre a conduta dos chefes do Executivo em campanha. Também são indefinidos os horizontes dos abusos eleitoreiros promovidos por presidentes, um problema extensivo aos governadores e prefeitos. Conforme o JB já sublinhou em editoriais, a nebulosidade sobre tais regras explica, por exemplo, o jogo de negaças promovido pelo presidente Lula: dia sim, dia não, ele repete que ainda não decidiu se será candidato.

Do presidente, jamais se soube de dúvidas reais sobre um bis do mandato. Ao adiar o anúncio formal da candidatura, mantém-se moralmente livre para agir como candidato, comparecer às inaugurações e fazer comícios, além de sentir-se à vontade para lançar pacotes de bondade - embora nem os mais crédulos sustentem a veracidade das declarações do presidente, segundo as quais nada têm a ver com a eleição de outubro as medidas da habitação (ou o pacote da educação, anunciado semana passada). Eis o desafio para este e os próximos mandatos: identificar a difusa fronteira que separa as boas ações de um governo das conveniências eleitorais de um governante.