Título: O novo reajuste do salário mínimo
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 05/02/2006, Outras Opiniões, p. A10

Desde a criação do salário mínimo, em 1946, o Brasil se acostumou a assistir discussões acaloradas sobre o seu valor quando se aproxima a data do reajuste. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inovou este ano. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, junto com seus colegas das demais áreas econômicas, negociaram com as centrais sindicais e os líderes dos partidos no Congresso, estabelecendo uma sinergia que levou ao valor consensual de R$ 350. Caso o Congresso aprove - houve um apelo no sentido de que o presidente encaminhe um projeto de lei - o salário mínimo que passará a vigorar a partir de abril terá um reajuste de 16,67%, o que equivale a um ganho real de 13%.

Em três anos, o valor nominal do mínimo, sem descontar a inflação, cresceu 75%, passando de R$ 200, em vigor até março de 2003, para R$ 350 em abril de 2006. Já o crescimento real, descontada a inflação do período, será de 25,3%. Entre 2002 e 2003, o mínimo valia 56 dólares, e este ano passa a valer 155,5. O novo mínimo alcançará, assim, o maior valor desde novembro de 1985.

O reajuste vai provocar um impacto positivo para cerca de 30 milhões de pessoas diretamente. De acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) feita pelo IBGE, 23,8 milhões de trabalhadores recebem até um salário mínimo. O restante - 5,7 milhões - é de beneficiários da Previdência e Assistência Social, que também ganham um salário mínimo.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, estima-se que haverá a ampliação de R$ 15 bilhões da massa de rendimentos em 2006, e um aumento de R$ 3,7 bilhões de arrecadação tributária em 2006. Esses recursos vão estimular a atividade econômica em todo o país, principalmente no Nordeste, onde vivem 37% dos trabalhadores que recebem um salário mínimo. Na seqüência está o Sudeste, com 36%; o Sul com 10%, e o Norte com 8%.

Em 2004, durante a elaboração do orçamento, foi introduzida a vinculação do salário mínimo ao PIB (Produto Interno Bruto) per capita. Isso faz parte da política de revalorização do mínimo, que foi reduzido ao longo de décadas e que agora, paulatinamente, está sendo recuperado. No ano passado, o governo Lula inovou no tratamento dessa questão e adotou esse mecanismo de reajuste no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, enviado ao Congresso Nacional.

Para examinar o valor do mínimo, em abril de 2004 foi constituída uma Comissão Quadripartite. Apesar de seu caráter consultivo, ela reuniu os principais interessados na questão - poder público, trabalhadores, aposentados e empregadores - e tem o objetivo de viabilizar uma trajetória de crescimento sustentado para o valor salário mínimo.

Tramitam atualmente no Congresso mais de onze propostas de reajuste para o salário mínimo. Foi formada uma comissão para apresentar uma fórmula que possibilite o reajuste anual sem a necessidade de grandes discussões. Entre essas, destaco o Projeto de Lei do Senado nº 200, de 2004, de autoria do senador Paulo Paim, que institui um mecanismo permanente de reajuste e valorização do salário mínimo, restituindo as perdas históricas da remuneração do trabalhador. Ele estende o mecanismo a todos os beneficiários da Previdência.

Fui designado relator da matéria e apresentei parecer favorável, com algumas adaptações necessárias diante das limitações orçamentárias da previdência social, das prefeituras e dos estados, principalmente os localizados nas regiões Norte e Nordeste, assim como o impacto que poderia causar nos custos do setor privado e no emprego.

Nesse sentido, considero que uma política de recomposição do valor do salário mínimo deva considerar alguns aspectos:

- a introdução de um mecanismo permanente de reajuste que garanta ganhos reais e retire o caráter político sempre presente no momento da definição do salário mínimo; - os índices de reajuste do salário mínimo deverão acompanhar o desempenho da produtividade do trabalhador através da variação do PIB per capita; - um adicional real definido pelo poder Executivo após consulta à Comissão Quadripartite, que leve em conta os efeitos sobre o emprego e a previdência; - a extensão do índice de reajuste, para que guarde um sentido de eqüidade com os inativos; - o estabelecimento do uso dessa fórmula para os próximos 10 anos, quando a lei deverá ser revista; - a relação entre o valor do salário mínimo e as transferências de renda, como hoje o Bolsa Família, e no futuro, a renda básica de cidadania.

A política salarial nos países desenvolvidos hoje leva em consideração as transferências de renda, a exemplo do Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, nos EUA, e do Crédito Fiscal Familiar, no Reino Unido. Tais instrumentos aumentam de 40 a 50% a renda dos que ganham salário mínimo, além de contribuir para aumentar o grau de competitividade daquelas economias. No futuro, pois, a definição do valor do salário mínimo se fará de maneira coordenada à da renda básica de cidadania.