Título: Segurança e empregos são prioridade
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 05/02/2006, Internacional, p. A11

Há duas tarefas prioritárias no esforço de reconstrução do próximo governo do Haiti: o aumento da segurança e a criação de empregos, principalmente em programas de infra-estrutura. E analistas ressaltam que ambos os fatores são interdependentes. Por isso devem ter a total atenção do líder eleito, provavelmente o economista René Preval, o único presidente democraticamente escolhido que já conseguiu cumprir um mandato inteiro no país (1996-2001). Preval aparece nas pesquisas de intenção de voto com 20 pontos percentuais a frente do segundo colocado, Charles Baker.

- Se o alto nível de violência continuar, os investidores vão ficar com medo de não ter retorno. E o Haiti precisa da ajuda internacional, neste início, para mais tarde conseguir caminhar com as próprias pernas - alerta ao JB Jean Voltaire, diretor do Grupo de Promoção da Democracia no Haiti.

Atualmente, muitos jovens desempregados são atraídos para gangues atuantes principalmente em bairros pobres de Porto Príncipe. Um programa de criação de empregos poderia retirar vários da vida ilícita, além de prover a população com serviços básicos, que hoje mal funcionam.

- Trabalhos de restauração do sistema elétrico, de distribuição de água potável, abertura de estradas ligando a capital ao interior e coleta de lixo são exemplos de programas que beneficiam a sociedade ao mesmo tempo geram emprego, fazendo o dinheiro circular no mercado interno - explica Alain Deletroz, diretor do International Crisis Group (ICG). - Mas se não houver um clima de estabilidade, de nada vai adiantar.

Ainda por algum tempo, a esperada estabilidade ficará a cargo da Minustah. Joanne Mariner, especialista em Haiti da Human Rights Watch, lembra que o povo não confia na polícia, marcada pela fama de ser cruel e corrupta. E num país sem Exército, é da ONU a tarefa de reabilitar o contingente policial.

- Se as eleições forem justas, não haverá contestação e espera-se que a instabilidade política diminua - diz.

Para Deletroz, ''a melhor coisa que poderia acontecer ao Haiti'' seria eleger o presidente com uma ampla vantagem sobre o segundo colocado, mesmo que a decisão vá para o segundo turno, em 19 de março.

- Daria ao líder uma legitimidade para lutar com vigor contra o narcotráfico e as gangues - justifica.

No entanto, mesmo nesse cenário otimista a presença da Minustah ainda será necessária por muitos anos, afirmam os analistas.

- O pleito é o mecanismo para sabermos o que o país quer. Depois de terça vamos ter uma idéia muito mais clara de para onde o Haiti quer caminhar. Se o novo governo tiver sucesso, conseguindo reconstruir as instituições nacionais, vai deixar de precisar da Minustah numa função de Justiça, de ordem. Daqui a algum tempo, os soldados poderão sair - estima Joanne.

Deletroz e Voltaire concordam que o prazo para que a missão passe de estabilização para construção de paz (sem a significativa presença militar) deve ser de mais três anos.

- É um prazo realista, se não quisermos ver o país cair de novo na revolta social - diz o diretor do ICG.

- Mas também não podemos depender da comunidade internacional por muito tempo. Também temos capital humano e boa disposição - acrescenta o cientista político haitiano.

Valerie Mello, assessora de assuntos políticos da ONU, garante que a próxima fase da missão já está em preparo:

- É um compromisso de 10 anos, como missão de construção de paz. Não podemos correr o risco de voltar ao conflito.