Título: Fervor religioso e lealdade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 05/02/2006, Internacional, p. A14

A formação política de Mahmoud Ahmadinejad não pode ser separada da religiosa. O atual presidente do Irã conheceu, enquanto estudante, o supremo líder da revolução, o aiatolá Ruholah Khomeini. Circulando na cúpula do poder clerical desde a queda do xá, tem trânsito livre em função do fervor religioso com o qual tempera suas ações políticas. Quando era prefeito de Teerã, por exemplo, alterou a programação dos inúmeros centros culturais fundados pelos antecessores moderados e reformistas, dando ênfase aos estudos de religião. Chegou a impor a separação de sexos nos elevadores de prédios oficiais, uma visão fundamentalista islâmica, e propôs que os mortos na guerra contra o Irã fossem enterrados em todas as praças da capital. Ao mesmo tempo, distribuia sopa aos mais pobres.

Se o antagonismo com os EUA tem razão histórica, com Israel é uma questão de princípios. Xiita radical, Ahmadinejad enfureceu o mundo ao afirmar que o Estado judeu ''deveria ser riscado do mapa''. Diante da repercussão, afirmou - através de assessores, é bom frisar - que apenas mencionara um pensamento de Khomeini. Pouco depois, usaria um encontro acadêmico para sustentar a tese de que o Holocausto não ocorreu.

Os ganhos políticos, internos, são inegáveis, apesar do bombardeio mundial, inclusive e principalmente na ONU, a quem despreza sobretudo pelo privilégio do veto concedido apenas a americanos, russos, britânicos, chineses e franceses. Às potências, a quem atribui a denominação de ''uns poucos poderes arrogantes'', acusa de tentarem barrar o desenvolvimento científico e tecnológico do Irã. Para ele, ''o mundo muçulmano, com mais de 1,5 bilhão de pessoas, deveria ter o mesmo direito''.

O presidente é bastante próximo do atual líder supremo da revolução, o aiatolá Ali Khamenei. Durante a campanha eleitoral, na qual enfrentou abertamente o então presidente Mohamed Khatami (um reformista simpático ao Ocidente) se deixou fotografar beijando a mão do clérigo xiita - na segunda vez que uma cena assim era vista no país - e ordenou que as repartições públicas não tenham a sua foto na parede, mas a de Khamenei.

O recado é claro: Ahmadinejad tem lealdade inquestionável ao aiatolá, e dele emana sua autoridade - muito mais do que os votos num pleito onde, até a véspera da abertura das seções, não era um dos favoritos. Acabou vencendo com o slogan ''É possível e vamos conseguir'', apontado por analistas como o anzol para fisgar tanto os conservadores religiosos xiitas como as classes menos favorecidas, grupos muito próximos no espectro da sociedade iraniana. O voto da pobreza, por sinal, marca o protesto contra a elite considerada ''corrupta'' dentro da própria Revolução. Para esse público, prometeu que os lucros com o petróleo seriam repartidos.