Título: Jornalistas viram moeda de troca
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 05/02/2006, Internacional, p. A15

Desde o dia 7 de janeiro no cativeiro, a repórter americana Jill Carroll voltou a aparecer, na última segunda-feira, em um vídeo, pedindo que as forças americanas e o Ministério do Interior de Bagdá liberem mulheres sob custódia dos Estados Unidos em troca de sua libertação. Visivelmente abalada, a jornalista é mais uma vítima da estratégia que parece ter dado certo. A pressão por meio da captura de estrangeiros, sobretudo profissionais de mídia, e a veiculação de imagens chocantes ¿ facilitada pela tecnologia acessível ¿ tocam sensivelmente a opinião pública mundial. A guerra no Iraque foi a mais cruel para repórteres, cinegrafistas, produtores e fotógrafos desde a do Vietnã. No país invadido em março de 2003, o campo de guerra se tornou ainda mais perigoso do que em conflitos anteriores. Prova disso é o número de profissionais de imprensa mortos, feridos ou seqüestrados em quase três anos de combate. Nesse período, em que se perdeu 61 correspondentes, 39 jornalistas, até agora, colecionam histórias de como lidar com situações em que a vida esteve em risco, em poder de grupos armados radicais, autodenominados ¿brigadas¿.

Seqüestrado em agosto de 2004, o francês-americano Micah Garen, de 36 anos, acaba de lançar o livro American Hostage (Refém americano, em tradução livre), relatando o período de nove dias em que conviveu com membros da ¿Brigada dos Mártires¿, grupo que o capturou em um mercado de Nassíria, enquanto tirava fotos junto com o seu intérprete, Amir Doushi. Em entrevista ao JB, lembrou momentos de tensão e até de humor que viveu.

¿ Quando você se vê nessa situação inesperada, você passa imediatamente a pensar em formas de sobreviver e de escapar. É preciso estar sempre 30 segundos à frente dos seqüestradores e prever os seus passos ¿ afirmou, de Nova York. ¿ Ainda assim, não há muito o que fazer. Eles não dizem uma palavra. Eu tentava me comunicar, estabelecer relações, mas era difícil ¿ lembrou, acrescentando que não sabia nem mesmo em que parte da cidade ficava o cativeiro, onde passava a maior parte do tempo ao ar livre.

Garen conta que dormia ¿ quando conseguia, por pouco mais de uma hora ¿ do lado de fora de uma casa, onde os mosquitos eram inimigos à parte. O jornalista diz que teve medo de pegar malária e outras doenças transmitidas pelo inseto, mas uma ansiedade insignificante perto da apreensão de não saber se estaria vivo no dia seguinte. As refeições eram somente duas por dia: um chá de manhã e uma mistura feita com arroz e molhos de tarde. O banheiro também era improvisado no quintal.

¿ Vivi uma confusão de sentimentos. Muitas vezes era entediante estar seqüestrado, outras aterrorizantes, a maioria ¿ diz. ¿ Mas tinha até momentos engraçados, como quando um deles me pediu para mandar um perfume francês pelo correio quando voltasse para a França. E ele falou sério ¿ diverte-se.

Para Garen, dono da agência Four Corners Media, sediada em NY, o pior momento aconteceu quando foi levado para gravar um vídeo no qual teve de pedir para os EUA deixarem Nassíria em 48 horas para não ser executado.

¿ Naquela hora tive muito medo de morrer. Foi um instante de pavor ¿ lembra, acrescentando que seu intéprete passava quase dias inteiros com as mãos amarradas.

O jornalista acredita que a mobilização é muito importante para o resgate, apesar do ódio evidente a estrangeiros, independente da nacionalidade, observa. No seu caso, repórteres de vários países assinaram uma carta pedindo sua libertação, além de parentes que vivem na França. Mas um peso a mais nas negociações foi o clérigo radical xiita Moqtada Sadr, que interveio a favor de Garen. Segundo um porta-voz do líder religioso, os seqüestradores perceberam que o repórter trabalhava para ¿descobrir a verdade dos fatos em Nassíria¿, e não para mascará-los, acusação que recai sobre a mídia em geral.

Essencial na cobertura de guerra, afirma Garen, é a integração com a cultura local:

¿ Quando fui seqüestrado só a câmera entregava que eu era jornalista e estrangeiro, porque estava vestido com trajes tradicionais.

Mais do que lição profissional, Garen explica que o seqüestro é símbolo da política externa americana no Iraque:

¿ Eu mesmo virei símbolo dessa política, que está sendo combatida com a tortura mental imposta por imagens. Acredito que seqüestros e torturas não devem ser perdoados em nenhuma circunstância ¿ afirma, antes de perguntar: ¿ Mas como podemos apostar no diálogo e em outras formas de relação se agimos de forma repugnante? Como podemos condenar seqüestros e torturas se nós mesmos os praticamos?